quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Olhos de mar revolto

Do sabor doce ao tanino que trava a língua
De um olhar sereno a olhos de mar revolto
De palavras carinhosas a ofensas gratuitas
De cartas doídas a poemas desonestos
De uma conversa em lágrimas a pedidos e gritos de adeus
De um mês de bem-querer a um mês de pesadelo
Um mês sem compromisso
Cartas e abraços guardados
Outro mês com compromisso
Sem nada material na gaveta
Dois meses díspares e ímpares
E retorno à paz de seguir em frente
Desta vez, inteira.

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Dia Mundial da Psoríase 2015

E chegou o dia dela, mais um. Ela que tanto me fez chorar, mas que, finalmente, hoje a enxergo com outros olhos. Hoje percebo que precisei dela para frear muito do que me fazia mal e não percebia. Precisei dela para aprender a fazer bem a mim mesma. Já encharquei travesseiros, já me cocei enlouquecidamente, já sangrei em meus lençóis, já me achei a coisa mais abominável, já não consegui vestir calça jeans. Hoje, acho que aprendi a aceitá-la e tento não dar mais tanta importância. E parece que, com isso, ela se acalmou e não me traz mais os seus sintomas mais fortes. Vejo meus lençóis limpos, não coço mais, visto calças jeans e choro por outros motivos. Hoje sinto que sou desejada e posso ser amada pelo o que sou, com minha feridas, minhas marcas, minhas lesões, minhas cicatrizes. Elas não me tornam pior ou menor. Essa doença faz parte de mim, mas não me resume. Começou pequenina e tomou e toma conta de metade do meu corpo. E não cheguei aqui sozinha. Precisei de broncas, afagos, preconceitos, lágrimas, abraços, para entendê-la, aceitá-la e me aceitar. E jamais pensei que agradeceria a ela, mas, sim, obrigada. Hoje sou uma pessoa melhor.

domingo, 27 de setembro de 2015

A doçura esquecida

Por mais breve ou longo que seja, por mais que um infinito seja menor ou maior que outros infinitos, é surpreendente sentir a doçura esquecida do mundo. Uma mão que toca a sua pele sem sentir a aspereza que ela possui. Um colo para assistir um filme que sempre vem junto com uma mão a afagar o cabelo e as costas. Olhos que enxergam o que pode haver de melhor. A disposição de acompanhar momentos de farra, preguiça ou supermercado. A naturalidade de brincar com os gatos que insistem em ficar próximos na cama. Um abraço que já viu gargalhadas e lágrimas e deu passos de samba. Um cuidado, um carinho, por quem se conhece tão pouco e, por ser tão pouco, emociona. Disse-me que é preciso olhar nos olhos. Disse-me que meus olhos falam. E jamais entendi a língua que falam, mas ele parece interpretá-los. Não sei o que será de meus olhos, de mim e da doçura esquecida do mundo. Mas vale a pena que tenha me lembrado de sua existência e do quanto isso pode adoçar a esperança, a vida, o dia a dia.

Para uma pessoa especial com quem esbarrei na madrugada em meio a uma roda de violão

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Sem novidades

Não. Não tenho novidades. A vida parece que estacionou. Nada parece acontecer. Ao menos, nada sensacional ou extraordinário. As coisas simplesmente seguem como vêm sendo.  Nem um arrebatamento. Nem uma previsão de viagem. Nem uma esperança de ver as perebas sumirem. Nem uma possibilidade de um salário que volte a me dar independência. Nem uma grande emoção, nem uma boa surpresa. Nada. Não que isso me torne infeliz, mas, até para sentar em uma mesa de bar, elejo a companhia. Tenho preferido os poucos amigos de verdade, os perdidos, os solitários, os pensantes da vida. Aqui, não há ouvidos para julgamentos, lições de moral, cobranças de otimismo. Quero ouvidos parceiros, de quem sabe mostrar a vida em suas vertentes boa e ruim. Quero ao lado gente de verdade, que ri e chora, que eu dê e receba colo, que cuide e aceite ser cuidado. Essas pessoas quase não existem, mas tenho buscado as poucas que tenho. Elas sabem conversar sobre o simples e o complexo, se emocionam com o cômico e o trágico, riem e choram comigo. Se não fossem essas pessoas, eu realmente estaria estacionada, em uma vaga distante, escura, sem vestígio de vida.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Que pena de você,

que um dia eu ajudei sem pensar duas vezes e nunca me perguntou como eu estava tempos depois,
que me definiu por uma pele de aspecto e tato diferentes,
que, pelo meu jeito introspectivo, me subestimou,
que não possa pensar uma milésima chance para o sentimento que, ao que se diz, seja mútuo,
que, por defender os homossexuais, pensou ser eu homoafetiva,
que me tratou como uma comida que se joga fora,
que é incapaz de dar a mão a quem quer que seja,
que me trata como invisível por qualquer motivo,
que, pela minha franqueza, não percebeu exatamente o sentido,
que me traiu em todas as possibilidades da palavra,
que tem o ego acima de todas as coisas,
que me mostra, em cada um, a preguiça deste mundo,
que não chora, não se declara, não ama, não ajuda e não sonha.

domingo, 28 de junho de 2015

Medo do mundo

Fotos coloridas, em arco-íris. Aos montes. Me pego a pensar. Tantos agredidos e assassinados simplesmente por amarem uma pessoa do mesmo sexo. Séculos vários anos antes de Cristo ou século XXI. Ouvi histórias de pessoas próximas ao longo da minha vida sobre a recusa de assim o serem pela sua família ou pela sociedade.

E, num dia em que os Estados Unidos aprovam em todos os seus estados o casamento gay, decido ir além de colocar uma foto colorida. Questiono a beleza de todas aquelas fotos coloridas. A mim caiu-me muito bem postar a própria foto em arco-íris. E nisso pensei, por exemplo, se essas mesmas pessoas aceitariam seus filhos, gerados em suas barrigas, crescendo em seus lares, sofrendo com a desconfiança e o preconceito alheios, gays. Em resposta, fui criticada e agredida por alguns pela má interpretação, pela falta de cuidado com a leitura das palavras que escrevi.

Não coloquei a foto colorida simplesmente para ir contra à "manada". Apenas pensei e quis além. Questionei para que se pensasse além de um belo gesto. Recebi concordâncias de quem entendeu o que eu propus. Mas, em um caso, me apontaram a minha doença. Uma questão que não pus em xeque, apesar de ser "militante" para o esclarecimento de tantos que a desconhecem.

Não entendi a agressividade, principalmente, de quem conheceu grande parte da minha história de vida e de quem eu conheço um pedaço da história de vida. Choquei-me. Hoje fujo, o que posso, de problemas e discussões desnecessários. Foi apenas um raciocínio, uma reflexão que pensei positiva sobre mais uma vitória dos gays. Mas isso gerou repercussão negativa de alguns.

O comentário doeu-me fundo. Doeu-me pela qualquer falta de comparação entre ser homossexual e ter uma doença. Doeu-me pela ofensa gratuita. Doeu-me pela deturpação ou falta de interpretação de minhas palavras que apenas tiveram a intenção de pensar, desejar e sonhar além da fotos coloridas. Ao final, li que eu fui amarga em relação a um movimento bonito.

Li e reli. Olhei para dentro e me revirei. Em nenhum momento de minha vida, fui contra os direitos dos homossexuais. Em nenhum momento do que escrevi, fui contra mais uma vitória do bem no mundo. Minha doença e a alegada amargura foram duas das respostas que recebi.

Estou cansada. E cansei-me ainda mais. Tenho medo do mundo. E tive ainda mais medo do mundo. Percebi como é possível a deturpação das palavras, do desejo, de um pensamento, de vários sonhos. Percebi como a falta de interpretação pode levar a julgamentos opostos. Percebi como pode existir uma agressividade gratuita por o que se entendeu errado. Percebi como se pode ser taxado por uma coisa que não foi defendida.

Eu quero a cura da minha doença. Não queria ter perdido uma pessoa por uma doença rara e incurável. Não queria ter perdido uma pessoa em um acidente de trânsito. Não queria que uma das pessoas que eu mais amo tivesse uma doença. Queria que um amigo voltasse a andar. E queria e quero muitas outras coisas. Mas, naquele momento, não foi sobre isso que falei. Naquele momento, não falei sequer da minha doença.

Sim, eu tenho muitos medos. E tenho, principalmente, medo do mundo.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

@#$%ˆ&*(!!!!

Desde a madrugada, recebo algumas ligações, e-mails, mensagens. Amei tudo. Mas uma, em especial, me arrancou lágrimas (nada difícil ultimamente). Fez-me isso porque conhecemos uma dor, compartilhamos uma dor, nos conhecemos pela dor. Nunca nos vimos, nunca nos abraçamos. Mas é como se eu sentisse seu abraço, seu colo. E emocionou-me pelo tempo dedicado a tantas linhas, a tantas palavras, a tanto conforto. E é uma das poucas coisas neste mundo que me faz acreditar no ser humano, na humanidade, na esperança, em um mundo melhor. Desculpe, Miss, mas soltei um palavrão ao final das suas palavras. Não no mau sentido, exatamente pelo contrário. Como alguém que sequer me conhece me conhece tão bem?! Em todos os desabafos que trocamos, agradeço ao google, à tecnologia, por você ter me encontrado. "Cada um sabe a dor  e a delícia de ser o que é", dizia Caetano. E nós duas sabemos a dor de ser o que somos. Obrigada, mais uma vez, com todo o carinho e amor deste mundo (e, desculpe, preciso compartilhar a humanidade das suas palavras neste mundo tão desumano).

Quem a vê sorrindo não sabe das dores que sente.

Quem a vê chorando não sabe da força que tem e o quanto tem aguentado por dias a vontade dilacerante de desabar. Mas ela segura essa vontade sempre, só para mostrar que é forte, só para não ter que dar explicações, só por costume.

Não a conheço há tanto tempo assim para dizer qual é a sua estação favorita, seu lugar preferido no mundo, se prefere arroz com feijão, ou feijão com arroz, se gosta de dormir de meias, ou se prefere ficar à vontade, se curte samba, ou se é fiel a Renato Russo e Cássia Eller, depois de tanto tempo de partida. Se prefere o chocolate preto ou o branco doce, se gosta de praia ou piscina… Não a conheço muito, mas sei de seu maior sonho, seu maior anseio, o seu desejo.

Hoje é seu dia. Os dias 25 são agraciados. Deveriam ser números da sorte porque tanto você quanto eu nascemos nesse dia. O motivo? Bom, ouvi dizer que os que nascem nos dias 25 são os mais fortes. Está aí, então, a explicação por nascermos nessa data. Mas foi nesse dia que Deus te trouxe ao mundo, para viver, reinar, sorrir, chorar, perder, ganhar, sonhar, se magoar, até porque não existe dias perfeitos, nem totalmente alegres, todos vêm com bônus, e esses bônus, às vezes, doem pra caramba, mas faz parte, até os momentos de dor.

Te admiro, Ana. Admiro sua garra desde o dia que comecei a ler seus textos. Confesso que a primeira vez que li algo seu, pensei: "ela tem a personalidade forte". E não é que eu estava certa? Ohhhh, menina da personalidade forte, direta sempre, sem meias voltas. Isso dá para ver sem conhecer…  É algo admirável !

Pena que os fortes são provados. As pessoas de garra são levadas a dias escuros. As de riso fácil acabam tendo todos os motivos para não mais sorrir. E pessoas tão admiráveis como você são levadas a pensar que não merecem tanta admiração. Acontece sempre. Somos levados a provas para ver aonde chegamos, se aguentamos. Então, o segredo é: aguente firme, vai passar, é só uma prova!

Neste dia tão especial, só quero lhe desejar uma coisa: CURA.

Dinheiro conseguimos com esforço, amores são detalhes, e todas aquelas coisas clichês acontecem com o tempo. Hoje só quero a cura para sua vida. Que toda a dor que fica embaixo de suas roupas desapareçam, assim do nada, confundindo a Medicina. Quero que você seja capaz de usar uma saia curta, uma blusa de alça, os pés descalços. E quero que, quando chegarem a passar a mão pelos seus braços, essa pessoa seja capaz de ir adiante sem sentir nada na sua pele. Quero que você volte a sorrir como antes, que seja agraciada, que não passe suas noites coçando aqui e ali, mas que passe leve, livre da pele que faz você se trancar do mundo. Que ninguém mais te olhe torto, que você consiga ser completa, que sua pele seja completa. Quero que todas as pessoas pequenas que cruzaram sua vida lhe dizendo coisas horríveis estejam bem perto para ver a mudança, para se darem conta do quanto foram horríveis.

Quero que você e sua pele tenham os FELIZES PARA SEMPRE !

Quero que cruze com a cura !

Fazer aniversários se tornaram difíceis depois que descobri o que tinha. Sempre na hora de assoprar as velas, eu sempre fazia um pedido. Coisa antiga isso, né? Mas eu pensava: “Vai que dá certo”. “Vai que dá certo”. “Vai que dá certo”… E eu sempre pedia baixinho “quero ter a pele normal”.

As pessoas nos enchem de elogios, de palavras lindas, de presentes, mas, depois de um tempo, você se dá conta que não quer nada disso, nem festas, nem nada. A não ser que alguém chegue à sua casa com um presente enorme, com um laço vermelho escrito: “A cura”. Mas fora isso, você não quer mais nada. Porque você começa a compreender que não há nada mais valioso do que ter saúde.

Enfim, PARABÉNS, ANA !

Parabéns, parabéns e parabéns.

Parabéns por ter ganhado na corrida contra os outros espermatozóides. Você já nasceu ganhando. Hahaha… Parabéns pela pessoa tão maravilhosa que és e por todas as suas qualidades que eu sei, são imensas.

Ei, moça, sorria. Saia de casa, vai para algum restaurante com seus amigos, coloque sua melhor roupa, seu maior salto, faça sua melhor maquiagem e viva hoje como se sua dor não existisse. É seu dia. Nenhuma dor pode te tirar isso: a alegria de ter nascido. E, depois que chegar à casa, seja grata a Deus por mais um dia e peça seu presente de aniversário. Aposto que ele vai amar te presentear.

Foi apenas um e-mail para lhe dizer: te adorooo demais!

Feliz aniversário !


Beijos, Miss

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Dois episódios

Dói sentir, literalmente na pele, o que é ser diferente, causar asco ou outra sensação aos olhos e ao tato dos outros. Eu que nunca vi qualquer diferença ao me apaixonar por um cadeirante ou negro, percebo que minhas lesões me diferenciam. Há três anos com a doença, ainda não havia sentido preconceito, rejeição ou ouvido uma brincadeira de mau gosto. Talvez porque ela tenha se espalhado. Talvez porque eu não esconda que a tenho e talvez porque, nem que eu queira, não há mais como escondê-la.

Na primeira ocasião, um rapaz que dançava comigo a noite inteira passou a mão pelos meus cotovelos. Com uma interrogação estampada em seu rosto, respondi: "sou assim da cintura para baixo". Não houve mais dança. Não houve mais conversa. O sumiço foi imediato. Banquei-me de forte. Continuei a me divertir. Na volta para casa, o choro foi doído. Não pelo rapaz, mas por sentir, pela primeira vez, o que também sou, o que faz parte da minha vida, o que pode ser a ausência ou não de um relacionamento, o que as feridas já possam ter afastado de mim sem eu ter percebido ou que possam vir a afastar. Depois, pensei que foi melhor a pessoa ter logo se afastado. Hoje, penso que minha doença pode ser uma seleção natural, pois pessoas pequenas não se aproximarão. Mas hoje posso dizer como é se sentir rejeitada, como uma característica, uma pele, uma doença, pode ser capaz de distanciar as pessoas.

Noutro momento, em um ambiente supostamente de pessoas esclarecidas e despidas de, pelo menos, menos preconceitos, minhas mãos foram alvo de uma brincadeira - é só o que posso pensar da pergunta. Não, minhas lesões não estão mais só da cintura para baixo, além dos cotovelos. Elas desceram para os meus pés e subiram para as minhas mãos, meus braços e meu couro cabeludo. Em meu lugar na bancada, a pessoa se aproximou e, ao olhar minhas mãos, questionou: "você andou se batendo?". Chocada com a pergunta, pois não havia nem percebido que ele havia reparado em minhas mãos, não soube dar outra resposta. "Não, tenho psoríase". Novamente. Não houve mais conversa. Não houve um pedido de desculpa. A pessoa, assim que terminou o que veio fazer próximo a mim, se distanciou. Dessa vez, não chorei. Apenas me distanciei.

Não sei se colecionarei episódios como esses ou piores. Não sei se um dia me aceitarei ou me adaptarei. Dói-me mais porque nunca me atraí por aparências. Jamais uma condição ou característica me afastou de conhecer alguém ou me fez capaz de uma piada. Também me envolvi com cabeludos, carecas, gordinhos, magros, malhados, mais velhos, mais novos. Nunca as molduras atraíram meus olhos ou meus sentimentos. Mas hoje minha pele me aparta dos normais. Sou vítima do bumerangue que nunca joguei.

Tem sido difícil ser forte. Disseram-me um dia que as minhas lesões viraram o centro das minhas atenções. Tive que concordar. É tão difícil não ser. É impossível não senti-las ou não vê-las o tempo inteiro. Dormir e tomar banho nunca mais foram a mesma coisa. Usar um anel ou vestir uma calça jeans tampouco. Vestido, só de meia-calça fio 80. Das mãos, dos cotovelos e braços, me desligo um pouco se não não haveria como. Brinco que devo ser uma das grandes consumidoras do Vanish. Pijamas e roupa de cama precisam sempre do auxílio dele na máquina de lavar para retirar as marcas de sangue. Ao dormir, é constante algumas lágrimas escorrerem dos olhos. A solidão é uma companheira, às vezes, bem-vinda, noutras, assustadora.

Para muitos, isso tudo pode ser uma grande bobagem. Mas, assim como minha pele se tornou sensível, a dona dela também. A sensibilidade está fora e dentro. É como se a psoríase tivesse alcançado meus olhos, embaçando-os. Sinto como se a vida perdesse o brilho, e eu junto. À crise no meu saldo bancário somou-se a falta de vontade de me cuidar, me divertir e conhecer pessoas. Fechei-me em meu casulo. Enclausurei-me em meu mundo. "Encaranguejei-me" para me proteger de rejeições e brincadeiras. Está difícil ser inteira.






segunda-feira, 15 de junho de 2015

Cansei-me

Cansei-me de tanto.
Cansei-me do vazio.
Cansei-me do mesmo.
Cansei-me de sempre mais do mesmo.
Cansei-me do interesse.
Cansei-me do desinteresse.
Cansei-me de esperar.
Cansei-me de achar que poderia ser diferente.
Cansei-me do medíocre.
Cansei-me do apenas.
Cansei-me de me desperdiçar.
Cansei-me de desperdiçar noites.
Cansei-me de molduras.
Cansei-me de palavras.
Cansei-me da ausência de palavras.
Cansei-me da inexistência.
Cansei-me do igual.
Cansei-me de preconceitos.
Cansei-me do hedonismo alheio.
Cansei-me de pessoas ocas.
Cansei-me do fugaz.
Cansei-me de tanta baboseira.
Cansei-me de egos.
Cansei-me de vaidades.
Cansei-me de mentiras.
Cansei-me de me cansar.

Por Túlio Mendes

terça-feira, 26 de maio de 2015

Fora e dentro

Fora, é tanto riso
Dentro, um coração apertado
Fora, é tanto abraço
Dentro, é tanta solidão
Fora, uma pele que sangra
Dentro, um coração que sangra
Fora, olhos maquiados
Dentro, olhos que choram
Fora, uma vontade de ser feliz
Dentro, a incapacidade
Fora, uma sexta-feira
Dentro, domingos
Fora, corpo coberto
Dentro, pele exposta
Fora, homens que desejam
Dentro, ninguém
Fora, calma
Dentro, ansiedade, sonhos
Fora, viagens
Dentro, imobilidade
Fora e dentro, tanto amor...
Dentro e fora, tanto desamor...
Fora, tantos verbos
Dentro, tantas interrogações
Fora, tantos olhares
Dentro, ensimesmada
Fora, era uma pele branca
Fora, são feridas, cascas e sangue
Dentro, eram sonhos
Dentro, são muitos mais sonhos
Dentro, eram pedidos
Dentro, são perguntas
Fora, silêncio
Dentro, gritos
Fora, tatuagens escolhidas
Dentro, tatuagens arbitradas
Dentro, eram machucados
Fora, são machucados
Fora, liberdade
Dentro, vontade de liberdade
Fora, amigos
Dentro, família
Fora, alguma fome
Dentro, insaciável
Fora, cem
Dentro, zero
Fora, música
Dentro, poesia
Fora, samba
Dentro, blues
Fora, vida
Dentro, inércia
Fora, movimento
Dentro, estacionada

"Viver é muito perigoso..." (Guimarães Rosa)

segunda-feira, 27 de abril de 2015

A pele que habito

Após uma noite mal dormida, acordo desnorteada. Decido fazer meus pés para a feiura não ser completa. Termino. A televisão ligada. Passa o noticiário do terremoto no Nepal. No mesmo instante, sinto como se uma rolha estourasse de uma garrafa, mas estoura da minha garganta. Um nó volta a apertar. A pressão liberada desgoverna meus olhos. Meu rosto se encharca entre soluços. Aquele terremoto me alcançou, tremeu minhas bases. Na noite anterior, no sofá, arrancava cascas do que eu não mais suportava como se eu pudesse limar ou limpar minha pele daquilo que voltava a se espalhar. Logo pela manhã, vejo o resultado da minha tentativa. Há algum tempo, eu havia escolhido colocar uma rolha na minha garganta para que eu levasse a vida de forma mais leve e tentasse me aceitar. Mas não é possível ser assim por tanto tempo. Senti que precisava estornar o que entrava em débito ao longo de alguns dias. Saiu um choro desgovernado, que me acompanhou na mesa, debaixo do chuveiro, ao me vestir, ao guiar meu carro, ao chegar à casa dos meus pais. Me acalmei por um tempo, mas ele retornou e me acompanhou ao voltar para casa. Com as perguntas, eu apenas respondia: "não aguento mais essa psoríase". Foi um domingo triste para mim e para o Nepal. Chorei pelo país e chorei por mim. Chorei mais por mim porque eu não conseguia deixar que aquela tragédia fosse maior do que eu. Chorei mais por mim porque nem o pior que ocorria tão distante de mim e pior do que ocorria comigo amenizava uma dor tão estourada e menor. Apenas consegui fazer uma analogia dos terremotos. Precisamos de base. E, às vezes, não tenho base. Deixo tudo estremecer para tentar reconstruir depois. Há sempre um novo dia. Como aprendi, um dia de cada vez. Chorei como não chorava há algum tempo. Criei subterfúgios para esquecer, brevemente, o que minha pele estampa. Me distraio no trabalho, brinco com as pessoas. Saio para dançar e rir. Mas quem eu sou me acompanha, assim como a pele que habito. Já me disseram, após conhecer a doença, que ela não é lá essa coisa toda que digo. Já me disseram para eu não avisar porque, após ser vista, não é tão ruim como eu fiz parecer. Acho engraçado porque quem disse essas coisas não a tem e não me conhece. Antes, meus quilinhos, pneuzinhos, celulite, me incomodavam. Hoje isso não é nada. Tudo que eu queria hoje era ter uma pele normal. Hoje tudo que eu queria era ser normal. Já me incomodei muito por ser tão branca. Quando adolescente, ao ir para a praia, minha mãe brincava que eu queria ser o Michael Jackson ao contrário. Hoje me aceito branca, faço piadas com flashes, falta de maquiagem. Mas não há flashes ou maquiagem que disfarcem ou me façam sentir melhor com as feridas. É como se elas existissem a partir da pele e me perfurassem. Não é uma dor apenas externa ou que incomoda externamente. Ela dói lá dentro, ela não me dá livre-arbítrio, ela me impede que eu me reconheça. Senti, no início do ano, a esperança de vê-la regredir após tratamento médico e férias na praia. Mas logo veio o desemprego, e ele logo se foi. Sentia-me bem. Mas uma leve coceira começou a surgir junto com pequenos sinais em outras partes do corpo. Não quis deixar isso me incomodar. Mas, num domingo de folga, o tremor me surpreendeu e eu me deixei inundar. Surpreendentemente, dormi bem. Um novo dia começa, mas nada mudou. A pele que habito continua a me machucar e continua machucada. Mas coloquei novamente a rolha no lugar. Não há mais tremores, por enquanto. Colocarei meu vestido comprido ou minha calça jeans e seguirei minha vida, sempre tentando ser mais leve, com meus prazeres, minhas fugas e meus subterfúgios, até o próximo terremoto...

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Obrigada, Miss!

Abaixo, segue o e-mail que me tirou lágrimas ontem no meio da tarde de trabalho. Não contive a dor que senti por ela e pela dor que compartilhamos. Senti alegria e tristeza. Alegria porque a minha intenção ao ter escrito os textos que ela mencionou foi exatamente pôr para fora a minha dor e poder "tocar" quem possa ser "tocado". Tristeza porque, de verdade, não queria que a minha dor fosse a dor de mais ninguém. Mas, assim como ela, é confortável não nos sentirmos só neste mundo, ainda que estejamos sós neste mundo.



Oi, Ana Rita !

Meu nome é Misllene, e tomei a liberdade de te escrever depois de ver um post em seu blog, o qual tinha o titulo "Dia Mundial da Psoríase".

Desculpa por incomoda-lá, mas, por acaso, eu encontrei seu blog ontem à noite e, desde então, não parei de ler (a propósito, você escreve como ninguém). O motivo do meu contato foi pelo simples fato de eu me enquadrar no seu texto sobre psoríase. Eu o li bem no dia mais difícil, e você me ajudou muito dividindo seus pensamentos comigo.

Me enquadrei em seu texto porque descobri a doença há dois anos e, desde então, meu "mundo caiu". Eu, que antes era a menina do riso, dos sonhos, me transformei em "caco" desde o diagnóstico. Quando a dermatologista falou o que eu tinha, estava com 19 anos, namorando, tinha iniciado a faculdade, e minha vida era uma maravilha. De repente, tudo mudou... As lesões são nas palmas das minhas mãos. No início, eram fracas, eu estava "aceitando", mas, depois de meses, as lesões cresceram, começaram a coçar, sangrar e a me trancar da sociedade... Não vou contar tudo como aconteceu porque você deve saber bem como ela funciona. Só quero dizer que minha vida, aos poucos, ficou HORRÍVEL.

Hoje eu tenho 21 anos, continuo minha faculdade e acabei terminando meu namoro. Me julgaram por fazer isso, mas eu não quero que ninguém sofra comigo, e acho que ele merece alguém que seja capaz de pegar em sua mão e fazer um carinho, coisa que nunca poderei fazer... Mas não estou aqui para desabafar sobre relacionamentos, mas dizer o quanto essa "coisinha" nos atrapalha. São dois anos vivendo com minhas mãos nos bolsos, fugindo dos olhares horrorosos que me alcançam diariamente, dois anos sem poder pegar em nada, sem tocar em pessoas que gosto, são dois anos fugindo de todo mundo e querendo constantemente DESAPARECER.

Confesso que eu nunca fui de reclamar. Eu sempre fui de ter o riso fácil, cheia de amigos e vivendo tudo em sua totalidade, mas a coisa mudou. Ontem foi o meu limite. Ontem foi o primeiro dia que comecei o uso de uma pomada nova, e minha mãe estava me ajudando a passar. Estava doendo demais, e eu comecei a chorar, ela chorou e logo meu pai e minha irmã ficaram em volta da minha cama, todos se segurando para não chorar comigo, todos olhando minhas mãos todas abertas. Chorei mais compulsivamente ainda, nem era mais pela dor. Costumo dizer que ela dói mais que a pele, dói a alma, o coração e todo o meu ser.... E foi aí que entrei no Google e te encontrei (ainda bem).

Às vezes, eu tento me lembrar como eu era antes disso e sempre acabo aos prantos. Hoje em dia, é uma dificuldade em tudo, para pegar alguma coisa, para fazer as coisas mais simples. Não consigo lavar meus cabelos, bater palmas, segurar algo com firmeza, porque tudo isso dói. Na faculdade, é uma luta. Uma vez fazendo uma prova, minhas mãos começaram simplesmente a sangrar. Fora as vezes que nem consigo escrever. Não consigo, ao menos, comer na frente das pessoas porque elas sempre me olham estranho ou perguntam o que aconteceu comigo. Sou violinista desde os 12 anos e isso também me foi tirado. Ela conseguiu levar até meu instrumento....

São tantas as coisas que deixei de fazer... A psoríase não afetou apenas minha pele, afetou minha mente, minha vida, meus dias. Ela levou as coisas que eu mais gostava de fazer, ela levou a oportunidade que eu tinha de tocar em alguém. Levou a felicidade que eu tinha de sair de casa, levou a minha vontade de viver. Eu sei que existem pessoas piores que eu, com doenças mais graves. Não estou sendo hipócrita, mas a minha também dói. Ouço gente falando o tempo inteiro que isso é "fichinha" comparado a outras coisas. E eu sei, mas, ainda sim, não anula o fato de eu querer sumir a todo o momento.

Desculpas pelas minhas palavras, mas quando li seu texto, pela primeira vez, não me senti só. Encontrei alguém que me entende, que sabe o que é se olhar no espelho e desejar ser como antes. Obrigada pelas suas belas palavras. Você me ajudou mesmo e agora eu só quero ter CORAGEM. Coragem de viver minha vida que esta só começando porque, definitivamente, eu tenho medo de viver agora. A realidade é que, se tudo terminasse aqui, já estaria bom. Porque, às vezes, eu sinto que é IMPOSSÍVEL conviver com isso.

Enfim, se você leu, obrigada por ter paciência comigo. Obrigada mesmo por me "ouvir". Eu só queria ter alguém para dividir a dor. Tem muita gente que me apoia, mas eu só queria falar com quem sabe o que é realmente ter isso, alguém que também já pensou em fugir deste mundo. Alguém que, assim como eu, não inveja carros, dinheiro, fama, mas inveja PELE. Sim, a pele. São horas e horas olhando para as mãos de outras pessoas e perguntando "por que eu não posso ser assim?". Horas olhando para os pés dos outros. Isso mesmo, pés, porque, há três meses, nasceram manchas em meus pés, e descobri que já é um começo dela de novo em outra área. E aí eu me pergunto: como viver assim? Se você descobrir, por favor, me avise. E, se reinventarem um mundo sem isso, me informe porque este mundo aqui esta inabitável depois dessa doença.

Beijos,
Miss




domingo, 8 de março de 2015

Dia da mulher

Neste dia que, às vezes, passa tão desapercebido e desimportante para alguns, penso em mim como mulher, além de em todas as outras mulheres, mas, principalmente, em mim porque sou a mulher que, talvez, eu mais conheça. Não falo das roupas curtas ou decotadas porque elas não fazem parte ou não fazem mais parte do meu guarda-roupa. Falo de como nos vemos como mulher ou como os homens nos veem. Para alguns, somos apenas uma ferramenta orgásmica masculina, algumas das vezes, inclusive, por nossa própria culpa pela liberdade que buscamos. Alguns nos exigem corpo em forma, pele perfeita, personalidade fácil. Aos poucos, tento aprender com os meus erros, que não são poucos, e a me aceitar, com esses erros e aprendizados. Além disso, tento me aceitar com as novidades que a vida me traz com os anos. Ganhei peso com a descoberta da resistência à insulina. Ganhei feridas, marcas e manchas com a psoríase. Cuido do meu rosto para que o melasma não me entristeça mais tanto. Aceito meus fios brancos. E tento aceitar também minha maior fraqueza: a franqueza. Pago um preço alto por isso porque essa franqueza me acompanha em todas as mulheres que sou: filha, profissional, ex-namorada, amiga. Recebo críticas por expor minha franqueza, por mostrar minhas fragilidades, minhas angústias. Mas é difícil usar uma camisa de força para impedir o que me é tão natural. Não sei jogar, não jogo. Não sei fingir, estampo em minhas feições. O que sinto, digo, escrevo, grito. Neste dia e em todos os outros, quero a liberdade de ser quem sou, com todos os meus defeitos e as minhas virtudes. Quero ser criticada, levar broncas, mas gostaria que minhas ações ou inações não desvirtuassem o verdadeiro sentido. Sim, sou uma romântica, uma sonhadora. Acredito em um mundo melhor, em pessoas melhores, em melhores seres humanos, em uma melhor de mim mesma. Não sou só jornalista, não sou só uma vagina, não sou só pele, não sou só erros. Sou uma pessoa e uma mulher em eterna busca e em eterno aprendizado. E, por conta deste dia, peço respeito por ser quem sou e por todas as mulheres, com suas tensões pré-menstruais, suas personalidades difíceis, suas bravezas, suas franquezas, seus romantismos, seus sonhos, suas vontades, suas liberdades, suas diferenças. É difícil ser mulher hoje, é difícil imaginar a mulher que serei. Mas me orgulho de ser mulher, com tudo que sou, não sou e busco ser. E que os homens e algumas ou muitas mulheres respeitem a mulher com quem convivem, trabalham, amam ou simplesmente compartilham um tempo mínimo em sua proximidade.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Apenas eu

Limpei. Lavei. Joguei tudo no lixo. Apaguei da casa e da memória o presente. Restou apenas o passado. Enxuguei os olhos para não mais chover por causa impossível. Abri os olhos para a vida. Coloquei um ponto final numa esperança iludida. Por acreditar em momentos, gestos ou palavras, criei uma vida, que destruí prontamente em meio à chuva, minha e da cidade. E, no meio da chuva, da cidade, fui para a rua e abri os braços para deixar o Carnaval me levar. Embriaguei-me de vida. Quero mais da verdade. Fechei as portas para as mentiras e ilusões. Zerei um dos meus incômodos. Se me arrependo? Não. Me arrependeria do que não poderia ter feito. A negativa me frustrou, doeu-me fundo. Mas, no dia seguinte, levantei-me. Tratei de levar tudo embora. Nenhum copo sujo. Nenhuma digital alheia à minha. Nenhum cheiro impregnado. Sou apenas eu. A liberdade de ser apenas eu.