sábado, 27 de agosto de 2016

"Viver é muito perigoso!

Chorona como sou, até então, tentava ser forte para não me entregar às lágrimas. Mas, em uma terça-feira à tarde, não suportei mais. O medo veio grande. O desespero veio forte. A desesperança tomou-me conta.

Como em um dos vários filmes a que assisto por dia, um personagem disse que a esperança é algo perigoso. E talvez seja. Me agarrei tanto a ela que, nesse dia, é como se ela tivesse se soltado de minhas mãos de uma grande altura e eu a visse cair, sem volta, em um abismo.

Entreguei-me às lágrimas em meio aos gritos que ouço do meu quarto da categoria da Polícia Civil, que quer se equiparar à Polícia Federal. É tão difícil acreditar que tais servidores públicos sejam capazes disso em meio à crise que assola um país inteiro.

No sábado anterior, havia levado meus pais para almoçar em um lugar que eles desconheciam. No período em que lá estivemos, um senhor de cabelos brancos passa com uma cesta vendendo bombons. “Estou desempregado e vendo essas trufas para sobreviver”, disse. Ele passou duas vezes.

Minha mãe se entristeceu com a cena, com a idade do senhor, de ter que andar sabe-se lá quantos quilômetros por dia para vender o suficiente para pagar suas contas e levar comida para casa. Assim como ele, vejo mais e mais pessoas vendendo chocolates e miudezas em mesas de bar pela cidade ou pedindo dinheiro.

Sem trabalho à vista, depois de vários currículos enviados, inclusive com pedidos a amigos e colegas, vivo de economias e do direito a apenas duas parcelas de seguro-desemprego, além de tentar essa oportunidade de escrever, com doações ou não. Confesso que, às vezes, faltam vontade e ânimo, mas é preciso acreditar e fazer algo.

Tenho família. Tenho amigos. Tenho saúde. Mas não venham me dizer que isso é suficiente. Infelizmente, precisamos de dinheiro, sim. Pode ser pouco, como ele normalmente sempre foi. Mas está difícil, a cada dia, sonhar mesmo com o pouco que seja.

Quando trabalhava, as segundas-feiras costumavam ser dias difíceis, tanto depois de um fim de semana divertido ou de um plantão cansativo. Mas, agora, elas são ainda mais difíceis. Enquanto muitos retornam às suas mesas de trabalho, meus dias continuam iguais. Tanto faz se é terça-feira ou sexta-feira, mas a segunda-feira, garanto, continua sendo o pior dos dias.

Como disse Guimarães Rosa, no brilhante livro Grande Sertão: Veredas, “Viver é muito perigoso”.

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quinta-feira, 18 de agosto de 2016

"Só sei que nada sei"

Penso e não sei que avaliação fazer dos relacionamentos hoje em dia. Talvez o mundo careça de homens interessantes. Talvez a minha idade complique as coisas. Talvez o meu vício em nicotina afaste possíveis histórias. Talvez o desemprego faça com que acreditem que eu queira ser sustentada.

Confesso meu antigo preconceito em relação aos aplicativos para conhecer pessoas. Mas amigas quebraram esse meu julgamento. Conheço casais apaixonados e felizes que se conheceram por meio dessas ferramentas virtuais. Mas não tenho tido essa sorte, seja na vida real ou na internética, porque, afinal, acabam no mesmo plano da realidade. E entro e saio com grande frequência diante da minha impaciência.

Completo quatro anos de solteirice. Sim, “antes só do que mal acompanhada”. Mas acredito no amor duradouro. Tive minhas histórias em todo esse período, mas nada que fosse além de três meses. Minha teoria é a de que um trimestre é um tempo razoável para conhecer o outro, saber das afinidades, de gostos, de objetivos e parcerias e para sentir “borboletas no estômago”.

E apenas uma pessoa, em quatro anos, fez meus olhos brilharem e se emocionarem. Mas, como sou de cotas (isso fica para outro texto), ele mora, literalmente, no outro lado do mundo. Além dele, mais ninguém. Houve gente bacana e nenhum pouco bacana. Tive cavalheiros e cavalos ao meu lado temporariamente.

Também não sei se faltam verdades ou se as verdades são tão efêmeras. Você se arrisca, convida, conhece, se diverte e, depois, recebe mensagens, elogios, mas por cerca de apenas dois dias. Não sei se servimos também apenas para alimentar seus egos. Sem alimentação, acabou a graça. Me parece também isso. Mas não sei de nada. “Só sei que nada sei”. Mas gosto de pensar e brincar com as hipóteses.

Tento abdicar do sonho de viver a dois, de viver uma parceria saudável e feliz. Mas uma dorzinha lá dentro de não sei onde insiste em aparecer de vez em quando. Eu acredito no amor, mas acho que estou sozinha nessa crença. Às vezes, penso que as pessoas estão tão machucadas, ou tão confortáveis em seu mundo, ou haja tanta demanda que não vale a pena se entregar ou mergulhar em uma história sem garantia. Porque não há garantia.

Uma vez eu ouvi de uma pessoa em uma possível retomada de relacionamento que ela tinha medo de sofrer novamente, como se precisasse de garantias. Não posso oferecer isso. Além de que outra característica minha é não fazer promessas. Há coisas que não dependem só de nós. E nós nos surpreendemos com nós mesmos, seja de que forma for.

E essas elucubrações me lembram uma frase que li em algum livro. Procurei (porque tenho mania de grifar a lápis todos os trechos bem escritos, que adoraria ter escrito ou com que me identifico) e não encontrei. Era um autor que citava Byron, em que este disse algo mais ou menos de que, depois dos 30, é praticamente impossível apaixonar-se ou amar.

Que Byron esteja completamente enganado!

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terça-feira, 16 de agosto de 2016

Sapatão ou rapariga?

Com os anos, passo a analisar várias questões da vida e as diversas situações por que passamos. E, muitas vezes, em conversas com amigas e confissões de colegas, descobrimos as dificuldades mais ínfimas com que as mulheres se confrontam. Não vou discorrer sobre as mais adversas. Falarei das pequenas, dos julgamentos, de rótulos.

Uma que eu particularmente vivi foi ao trabalhar por um curto período em uma cidade do Nordeste. Não no estado de que considero filha (meus pais são paraibanos), mas em um a que apenas havia ido anteriormente como turista. Em uma noite com colegas de trabalho, um me revela que a minha fama era a de que eu era sapatão.

Minha reação foi rir. Depois, passei a pensar. Como éramos muito brincalhões, um ou outro dava a entender, às vezes, claramente, que queria um beijo ou dormir comigo. De minha parte, nunca passou de brincadeira. Mas, como em todo o período em que lá estive, nunca passou disso, levei fama de sapatão. Foi o que pude concluir.

Em uma outra conversa com outro colega, ele confirmou o meu pensamento. E acrescentou que, caso eu tivesse aceitado a “cantada”, meu rótulo seria outro: rapariga. Engraçado não? E todos os que me fizeram o dito “convite” são ou eram homens casados. Mais uma vez, engraçado não? O máximo de adjetivos que eles ganham são garanhões, comedores ou bem-sucedidos no desastre de amar.

De volta, em minha cidade, em Brasília, em um bar supostamente moderno, eu e uma amiga conversávamos e nos divertíamos. Até que, em determinado momento, um grupo de homens se apresenta. Logo de início, recebo a pergunta: “Vocês são namoradas?”. Novamente, rio. Eles se justificam porque estávamos em um local em que se paquera e que, até aquele momento, não aceitamos a cantada de nenhum homem ou paqueramos nenhum.

Em outra noite, em outro bar, de outro bairro, mal sento à mesa com outra amiga, e um homem já se convida para sentar, pergunta meu nome e meu telefone. Apenas respondo que havia acabado de chegar e que queria somente conversar com minha amiga. Precisei ser enfática diante da insistência.

Diante desses pequenos acontecimentos, não sei direito o que pensar do sexo oposto. Me parece que os homens acham as mulheres solteiras mulheres desesperadas, à procura, a todo instante e em qualquer lugar, por alguém que lhes aplaque a carência que eles imaginam que passamos.

Não tenho que provar que sou hétero. Não estou disponível em uma prateleira com anúncio. Não sou um pedaço de carne no açougue que saciará a fome masculina, em vez da minha. Não sou santa, tampouco pudica, aliás, estou longe disso. Mas meu desejo e minha fome são muito maiores que qualquer aventura em uma noite qualquer com qualquer homem.

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quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Araras-azuis

Com tanto tempo disponível, passo a pensar sobre tantos os aspectos da vida. Um que me parece paralisar é a minha profissão. O jornalismo me parece em extinção. Somos tantos os desempregados, somos tantos os que buscam uma vaga que sinto como se fôssemos ararinhas-azuis. Há diversas profissões nessa situação, mas me permito falar da minha, até porque a própria mídia não fala, pelo menos não nesses termos, de si própria.

Olho para trás e tento analisar cada passo que dei. Já tive medo de tentar o desconhecido, de experimentar o que nunca imaginei. Mas fui lá e fiz. Saí do comodismo, de três anos de carteira assinada, e tentei entender de agronegócio. Quebrei a cabeça para falar sobre icloud em três páginas de revista. Assessorei magistrados e procuradores. Iniciei toda uma pesquisa sobre a história da Procuradoria-Geral do DF. Desempregada pela primeira vez, topei o desafio de ser produtora e repórter de vídeo. 

Depois, passei um ano lidando com o assunto de transporte. Me entusiasmei com a amplitude do tema, viajei duas vezes a trabalho até que me choquei com a "invasão"de policiais no prédio - coisa que a mídia mal noticiou. Desempregada pela segunda vez, pelo recursos humanos da instituição, volto para a redação e ocupo a função de subeditora. Depois de um ano, desempregada pela terceira vez.

Nesse meio tempo em que me encontro, topei outro desafio, que foi trabalhar em uma área em que nunca desejei em uma cidade totalmente nova para mim: campanha política em Luís Eduardo Magalhães (BA). Muito aprendizado, muita experiência, outra realidade. Um mês e meio depois, decido voltar para Brasília, por questões outras que não o trabalho em si. 

Parece que os únicos sãos e salvos neste país e neste momento do país são os servidores públicos. Isso me entristece. Como não conheço as particularidades de cada profissão, decido falar da minha. Somos tão cobrados, tão exigidos, com carga horária sempre além, tendo que lidar, muitas vezes, com gritos e gente louca, com salários baixos, atrasados, sem previsão de crescimento, seja do cargo ou do "vencimento"… Passei réveillons, carnavais e diversos feriados dentro de redações ou em salas de assessoria. Perdi shows, casamentos, festas e outros eventos devido ao dias e horários de trabalho, se não pelo saldo insuficiente. Teceria linhas e mais linhas sobre os contras da profissão.

Mas o que seria do país ou do mundo sem os jornalistas? O que será de nós e do jornalismo? Um jornalismo completamente online, instantâneo, sem reflexão ou revisão? Eu não sei. Me cobram um novo rumo. Mas que rumo tomar no atual momento deste país? Que rumo tomar se tudo está em crise? Ao desabafar com "iguais", falamos sobre o que sabemos fazer. A impressão é que sabemos apenas escrever, escrever bem, com domínio da língua portuguesa, gostar de ler, apreciar boa música e as artes. "Apenas"?? Além, é claro, de beber uns bons copos de cerveja e dar risadas, ainda que entremeadas de água nos olhos, da própria sorte. 

Parecemos tão parcos de dons ou talentos e, ao mesmo tempo, tão cheios de experiência e conhecimento. Uma contradição ininteligível. Um profissão tão vasta em suas vertentes e que parece se extinguir. Nas redações impressas, os jornais diminuem de tamanho e, assim, a quantidade de seus profissionais. Sites precisam cada vez menos de jornalistas para darem conta do recado. Nas assessorias de imprensa, a mesma coisa. Falam hoje de redes sociais, mas elas não são distintas, necessitam de poucos para publicações, análises e elaboração de relatórios. 

Em 13 anos de profissão, aos 35 anos de idade, o máximo que alcancei foi ser subeditora. Em todo esse tempo, vivo o desemprego pela terceira vez. Em todo esse tempo, tive salário digno por um ano e meio. Em todo esse período, foram raros intervalos de uma carga horária normal. Em todos esses anos, fui feliz e, em alguns momentos, infeliz. Graças à toda essa loucura deliciosa e, às vezes, indigesta, desenvolvi uma doença que tentarei controlar por toda a minha vida.

Não, não consigo acreditar que somos araras-azuis voando destrambelhadas para qualquer lado ou de asas quebradas sem podermos alçar voo. Eu mesma não sei se voo ou economizo energia. Tento me reinventar. Tento ensimesmar-me para me descobrir. Por enquanto, apenas grasno para diminuir a minha invisibilidade. Por enquanto, tento encontrar o melhor no pior, para pegar as palavras emprestadas de um trecho de Fogo Morto, de José Lins do Rego.

Publicado no blog Quadra Zero