sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Desgostos polêmicos

Tenho uma espécie de nojo de maionese.
Não curto os filmes do Tarantino.
Não sou apaixonada pela língua francesa.
Nunca li ou pretendo ler Paulo Coelho.
Bacon: iguaria fora do meu cardápio.
Tenho pavor de comida japonesa.
Não tenho a menor curiosidade de conhecer o Japão.
Não tenho paciência com futebol.
Tenho menos paciência ainda por conversas sobre futebol.
Gente boazinha demais me irrita.
Tenho pavor de óculos de sol espelhados.
Acho horrível homem sair de chinelo ou tênis de academia.
Acho feias motos esportivas, ainda mais seu barulho.
Não sou fã de doce.
Não suporto comida salgada.
Odeio academia.
Morro de preguiça do tocar do telefone.
Não gosto de jogos, baralho ou vídeo games.
Nunca vi muita graça no Chaves.
Não vejo graça na Keira Knightley.
Não vejo graça no Jude Law.
Não bebo refrigerante há mais de 20 anos.
Não gosto de quem não gosta de fumante.
Não entendo aqueles shorts com os bolsos maiores que os próprios shorts.
Tenho eca de azeitona, passas e aqueles cogumelos pernudos.
Não uso muito salto alto.
Não gosto de dias nublados.
Tenho preguiça de ouvir Djavan.
Não consigo gostar de Pink Floyd, exceto duas músicas.
Não bebo café.
Não assisto a séries, exceto a do Escobar.
Não gosto de shopping.
Tenho preguiça do que está na moda.
Entre outras coisas, muitas das quais melhor não serem escritas.

Publicado no blog Quadra Zero

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Vila Neuza

Uma casa de praticamente um século de existência. Vovô Zé Gondim encontrou-a pequena e a transformou em um casarão, com seu espírito criativo e empreendedor, aliado à sua aptidão para construção de obras (com suas próprias mãos). Entre algumas de suas realizações, construiu o Engenho Várzea Nova, restaurou e fabricou móveis que até hoje embelezam a residência. Nela, com sua mulher, vovó Rita, de quem herdei o nome, criaram 11 filhos. Um casarão repleto de salas com ladrilhos hidráulicos e azulejos portugueses e recantos para as flores darem ainda mais vida.

Para onde se olha, a casa cresce, em espaço e histórias. Com sobrado e sótão, dez meninas e um menino corriam em brincadeiras. Vovô, sucinto em seus afetos. Vovó, doce com seu olhar e suas mãos. Conheci-os muito mais pelo que me contam. Tive a oportunidade de vê-los pouco. Minha mãe é a caçula dos 11. A diferença de idade e a distância geográfica, em que eu vivia, eram grandes, o que tornaram difícil uma convivência mais próxima.

Lembro da morte de vovô. Era minha formatura da pré-escola, e mamãe estava triste e chorosa. Não derramei lágrimas. Não o conhecia com profundidade. Mas sabia da admiração e do amor que mamãe tinha pelo seu pai. Em casa, sempre foi unânime esse sentimento, tanto por mamãe quanto por papai.

Tia Enilde foi quem cuidou dos meus avós em sua velhice e, após a morte deles, habitou a casa sozinha por 13 anos. Trancava os quartos e as janelas por medo de gente estranha adentrar a casa. Então, muitos dos que visitavam a casa não podiam conhecê-la por inteiro.

Hoje, tantos anos depois, meus pais restauram a Vila Neuza, nome gravado na frente da casa, como de costume nos imóveis antigos apelidar com o nome da filha mais velha. Estão empolgados em refazer os forros do teto e os pisos em tábua corrida, que poderiam desabar a qualquer momento. Reformam a estrutura hidráulica e elétrica, que, sem renovação e manutenção há 40 anos, poderia sofrer uma descarga elétrica e destruir a casa em segundos.

A pintura dá nova vida à casa antiga. Trabalhadores são vistos em todos os cômodos para recuperar o que vovô fez tão brilhantemente. Papai e mamãe ornamentam a casa com plantas e flores, compradas por eles e doadas pela família. Procuram ideias de corrimões para dar segurança aos familiares, que hoje têm idade avançada.

Tia Enilde, uma das filhas mais velhas de meus avós, cuidou de minha mãe, quando bebê e criança. Hoje, os papéis se invertem. Mamãe está lá para amenizar sua solidão e para ampará-la sempre que necessário.

Pude conhecer a casa em reforma. Dormi, tomei banho e cozinhei onde meus avós e seus 11 filhos viveram. Me perdi a todo instante. Descobria aonde ir ao escutar vozes ou o barulho da sandália de tia Enilde. Ri com as histórias contadas desde crianças e adolescentes. Emocionei-me com tanta vida que habitou aquela casa.

E hoje a emoção é ver meu pai restaurar a casa de meu avô. Duas gerações encontram-se em construção e reconstrução. Minha mãe surpreende-se com a dedicação de papai. Estão cansados de tanto trabalho, mas não esmorecem para deixar a casa de pé e bela, como sempre foi, por mais e mais séculos.

A correria é grande. Eles convidaram toda a família para visitar a casa no dia 8 de dezembro, dia da padroeira da cidade, Nossa Senhora da Imaculada Conceição. Eles querem que os filhos e os filhos dos filhos vejam, talvez pela primeira vez, cada lugar da casa e uma procissão em uma cidade do interior.

Nesse dia, estarão todos juntos para celebrar a família e a casa, tão famosa na cidade. E, certamente, meus avós estarão lá em cima, sorrindo com a restauração e a reunião de seus filhos, netos e bisnetos na casa que construíram e educaram a família com tanto zelo.

E esqueci de dizer, para quem não sabe, o casarão fica na cidade de Areia, brejo paraibano, na Serra da Borborema, terra de ilustres personalidades, como o famoso pintor Pedro Américo e o imortal da Academia Brasileira de Letras, fundador da Universidade Federal da Paraíba e da primeira escola de agronomia do Nordeste (EAN), José Américo de Almeida.

Ana Rita Gondim, filha mais velha da caçula dos 11 filhos de meus avós.



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quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Eu-gramofone

Há dias, cavuco em minha mente algo para escrever. Até porque me comprometi a fazer isso. Mas, infelizmente, uma mesma faixa teima em tocar. Por mais que eu troque o disco, parece que estão todos arranhados.

Em alguns momentos, parece que a agulha da vitrola ultrapassa aquela faixa, e o vinil toca suavemente, sem incomodar os ouvidos com aquele arranhado. Mas, em breve, a faixa danificada atrai a agulha e recomeça a repetição.

E a música repete, repete, repete… Já decorei de tanto ouvi-la cada vez mais vezes, vezes, vezes… Tento abaixar o som, mas ele, talvez de velho, insiste, insiste, insiste em manter-se…

Já pensei também em trocar a vitrola. Mas, em um sonho, vi-me um gramofone, daqueles antigos e que teimam em funcionar em perfeito estado. No breu do céu, ele tocava lindamente. Mas, ao acordar, a vitrola estava ali a repetir, repetir, repetir…

Eu luto para que o som não me incomode. Me acalmo para me acostumar com as reproduções. Às vezes, consigo. Noutras, tranco as portas para tentar calar toda aquela reiteração, mas ela está em meus ouvidos e não há como silenciá-los.

Então, prefiro dormir. Nos sonhos, é onde eu-gramofone pareço funcionar. As músicas transcorrem sem arranhados. O som é perfeito. Qualquer disco que se me colocam toca sem repetições. E a vontade é nunca acordar ou sempre sonhar…

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sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Tão perto e tão longe



Salguei o corpo
O sol cuidou de minha pele
O mar distraiu minha mente
Vi o nascer do sol
Ri até não poder mais
Revi a família
Comi lembranças da infância
Pisei a casa de meus avós
Conheci e me perdi em cada recanto
Cozinhei na casa de quem herdei meu nome
Dormi na casa que meus pais restauram
Descobri histórias
Ri das expressões da tia que cuidou de minha mãe
Vi onde meus pais se conheceram
Hoje vejo eles se dedicarem a um sonho
Agora, minha pele desbota
A realidade retorna
O silêncio é a voz da casa
Madalena quebra a mudez das paredes
E me acompanha pelos cantos
O fim do ano se aproxima
E eu clamo por mudanças
E menos saudades.

Ao meu pai e à minha mãe, que proporcionaram a distância de minhas angústias e a proximidade deles, de seus sonhos, do seu amor e de nossas origens.


sábado, 29 de outubro de 2016

Dia Mundial da Psoríase 2016

Já foi pior. Já chorei copiosamente. Já deixei meus lençóis repletos de marcas de sangue. Já me cocei até me ferir mais ainda. Já deixei de usar calças jeans. Até pouco mais de um ano atrás, eram essas as minhas atitudes devido à psoríase.

Para quem não sabe, psoríase é uma doença – de pele – crônica, sem cura, dolorosa – interna e externamente –, em que o emocional parece ser o seu motor de surgimento e piora.

Aos poucos, ela passou a regredir. Atribuo isso a um trabalho que eu adorava e, principalmente, porque passei, desculpe o linguajar, a tocar o foda-se para ela. Como não tinha escolha, comecei a, de alguma forma, aceitá-la como parte de mim.

Mas ela continua presente. Ainda invejo as mulheres nas ruas com suas pernas de fora, sem marcas, sem feridas, sem lesões. Antes da psoríase, tinha vergonha de usar roupas mais curtas porque sou branquela. Hoje, por ironia, esse seria o menor dos problemas.

Biquini sempre foi um pânico, pelos quilinhos, pela branquelice, pela celulite. Hoje, as lesões são o que mais me incomoda, além do peso, é claro.

E não poderia deixar de dizer que existe o preconceito. Sofri pouco com isso, confesso. Mas já vivi momentos desagradáveis. As pessoas são cruéis, ignorantes e desumanas. Isso e a psoríase não deixam de ser um aprendizado constante.

Por sempre expor informações sobre a psoríase em um blog pessoal e nas redes sociais, “conheci” uma pessoa com quem trocamos gigantescos e-mails. Ela também tem a doença e se identificou com um dos meus textos.

Demos força uma a outra. Chorei com suas palavras, confissões e pela afinidade com a pele. Dizia a ela que só tem quem essa doença sabe realmente como nos sentimos e o que ela faz conosco.

Outros amigos também apareceram me pedindo dicas, nomes de especialistas, me consolando e me colocando para cima. Passei meses indo duas vezes por semana ao Hospital Universitário de Brasília para realizar sessões de fototerapia. O sol é o melhor amigo da pele com psoríase.

Jamais me esqueço das palavras de um rapaz, que estava sentado ao meu lado à espera da sua vez. A televisão ligada, e um programa falava sobre sonhos. Ele apenas falou: “Queria uma pele nova”. Meus olhos encheram d’água.

A minha psoríase não é das piores. Elas me marcam nos cotovelos e da cintura para baixo, inclusive nos pés. Já quiseram me dar medicação, mas, no meu caso, acho que os benefícios não valeriam a pena diante dos “sacrifícios”. Até porque a probabilidade de as lesões voltarem e serem ainda piores é grande.

E hoje levo a vida com minhas feridas e cicatrizes, literal e metaforicamente. Aprendi com ela os meus limites e a me aceitar, um pouquinho a cada dia. Invariavelmente, preciso avisar as pessoas o que tenho diante de um olhar estranho e da pele exposta. Se há repulsa, não me importo mais. É a minha seleção natural de espécies ao meu lado.

Foto tirada em agosto de 2015

Publico no blog Quadra Zero

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Faxina

Às vezes, sentimos como se precisássemos vomitar escancaradamente. Uma vontade de colocar para fora todos os gritos, desaforos, sapos, elogios, todas as broncas, cobranças, expectativas e frustrações do passado, distante ou próximo.

É como se algo fosse nos contaminando aos poucos e chegasse ao ápice. Como se tudo isso fosse necessário para chegar aonde chegamos, mas de uma forma que nos apequena ou nos faz sentir pequenos diante do mundo, até mesmo porque somos mesmo pequenos perante o universo.

Mas é como se não precisássemos nos sentir assim porque, caso contrário, nossas atitudes de nada valeriam. De tão pequenos e, em consequência, com atos tão diminutos, seríamos, portanto, inúteis neste mundo. E vemos que mínimas ações são capazes de grandes resultados.

Tornamo-nos, de certa forma, grandes graças às coisas ruins que nos acometem e aos nossos erros. Mas é preciso também nos limpar daquilo que já foi, já passou e não voltará. Porque nada retorna. Nada será mais da mesma forma. Como disse Heráclito, “ninguém pode entrar no mesmo rio duas vezes”.

É uma espécie de assepsia necessária diariamente, inclusive para não contagiarmos pessoas que nada têm a ver com nossos problemas ou por “descontarmos” devido a outras pessoas que passaram em nossas vidas ou simplesmente porque nada nem ninguém é igual.

A minha faxina tem sido constante. Em um dia, sinto como se gritasse até ficar rouca todos os palavrões que conheço. E, no outro, trato de cuidar da minha garganta e limpar aquela raiva, tristeza ou frustração.

Muito disso vem do dito otimismo, uma palavra que nunca entendi muito bem como funciona. O pensamento positivo gera expectativas que, normalmente, geram frustrações.

Mais jovem, era a favor do pessimismo. Minha teoria era a de que, se eu esperasse o pior, nada seria tão ruim como eu tivesse imaginado. E, assim, eu não gerava expectativas e, consequentemente, não me sentiria frustrada.

Hoje, digo que sou uma pessoa realista, um meio termo entre um e outro. Mesmo que crie expectativas, até mesmo devido aos outros ou às palavras dos outros, insisto comigo mesma para me centrar e não pender ao otimismo ou ao pessimismo.

E, ainda assim, não é fácil. Devido às circunstâncias nada fáceis, nos enganamos com alguns acontecimentos. Temos mania de achar que, desta vez, será diferente, que, desta vez, nos enxergarão, que, desta vez, será melhor.

E a vida não é assim. Ela segue ao seu jeito, normalmente bem distinto aos nossos desejos. E tenho tentado respeitar o caminho que se me impõe. Em outras vezes, ela foi sábia. E tento acreditar em sua sabedoria diante das negativas e dos silêncios.

Publico no blog Quadra Zero

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Miragens

Ela não saía do mar. Passava os dias dando mergulhos e aproveitando as ondas. Sempre ia em busca de novas praias para encontrar aquela que a fizesse se sentir melhor.

Não apreciava a pasmaceira dos mares calmos. Passava pouco tempo apenas para descansar e boiar. Ela gostava mesmo de ir fundo nas águas com a surpresa das ondas.

Havia aquelas ondas que pareciam vir grandes, e se frustrava com a fraqueza que chegavam até ela. Outras pareciam apenas uma ondulação, e ela se regozijava no meio do turbilhão

Às vezes, se perdia com as correntes marítimas que a levavam para longe. Às vezes, se machucava com pedras e rochas que desconhecia ao desbravar novos mares.

Mas aprendeu a cuidar de seus machucados. Atravessava a areia e passava a noite na mata com seus unguentos. E, no outro dia, mesmo mancando e sangrando ainda, seguia seu rumo em busca de novos mares.

Em um dia, cochilou à beira de uma praia, deitada na areia e com as pernas dentro d’água. Acordou, esfregou os olhos e não acreditava no que via. O mar havia sumido.

Incrédula, passou a percorrer milhares de quilômetros pela faixa de areia. Seus pés ardiam, queimavam. Em algumas vezes, tinha uma visão trêmula como se visse água mais à frente. Corria desesperadamente, mas era apenas imaginação.

Para descansar, passava momentos na mata, que antes verdejava com o mar, separados apenas pela areia. Dormia com a esperança de que, quando acordasse, o seu mar estivesse ali, como que tivesse lhe pregado uma peça.

Acordava e esfregava os olhos. Não conseguia acreditar. Não conseguia entender. E retornava para onde antes havia mar. Nenhum sinal de água. Encontrava apenas conchas, que a deixavam com a lembrança de seus mergulhos.

E passou a recolher as conchas o quanto pudesse. Pensava que talvez elas atraíssem o mar de volta para si, como se o fundo do que houvesse sido um dia o mar sentisse falta e surgisse para abrigá-las.

Os dias passavam e nada acontecia ou ressurgia. Passava seus momentos caminhando pela areia, queimando seus pés e descansando na mata. Sempre que dormia, esperava acordar e ver novamente seu mar.

Mas não via sinal de esperança ou mudança. E revezava seus momentos entre a areia e a mata. Talvez acabasse seus dias num ou noutro. E assim seguia seus dias e noites intermináveis…

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quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Pequenas grandezas

Em um carnaval de rua, piso aquela água xexelenta próxima ao meio-fio. O homem que amava e de quem estava acompanhada desaparece, volta com uma garrafa de água mineral e lava meus pés e sapatos.

Em uma casa de amigos, com um vestido com fendas laterais, me cobria para que não vissem minhas lesões. O mesmo homem passa a mão em minha pele e diz que, se ele não se incomodava, eu não deveria me incomodar.

Em uma viagem de fim de semana e despedida no Rio de Janeiro, esse mesmo homem me surpreende mais uma vez. Na praia, perturbada com a minha pele, peço sua bermuda para entrar no mar. Vestido com uma cueca boxer preta por baixo, ele não hesita, e vou feliz dar um mergulho.

Um amigo que morou longe por cinco anos me mandava mensagens carinhosas como se adivinhasse os momentos difíceis por que eu passava. Um dia, enfim, decido visitá-lo e recebo a notícia de que ele voltaria na semana seguinte.

Trabalhando em outro estado por mais de três semanas sem vir a Brasília, volto para passar o aniversário com a família e os amigos. Marco cerveja e bar. Quando chego, surpresa com parabéns, bolo, balões, uma caixa recheada de mimos, além de abraços e risadas. Não é a primeira vez que a mesma amiga me “engana”.

Meus pais hoje revezam moradias em Brasília e na Paraíba. Distantes, mandam mensagens diárias para saber como estamos eu, minha irmã e os gatinhos. Meu pai ainda pergunta, frequentemente, se estou me alimentando bem devido à minha crise financeira.

Antes de viajar, minha mãe presenteia Madalena com um saquinho repleto de liguinhas (elásticos de cabelo). A “bobagem” é o melhor brinquedo desde que minha filhota é um bebê.

Minha irmã vem à casa dos meus pais uma ou duas vezes por semana para almoçar comigo e, claro, comer minha comida. Ela “reclama” que toda vez que vem “come muito”.

Amigos tentam me ajudar e mandam mensagens com vagas de emprego, seja aqui (em Brasília) ou onde saibam que existe uma oportunidade, inclusive um amigo que mora no Norte do país. Este, inclusive, sempre que pode e volta à cidade, tenta me encontrar e manda mensagem de saudades.

Para encontrar a mim e a um amigo, uma amiga de infância vegana faz um almoço para que possamos nos encontrar, conversar, saber das vidas de cada um e matarmos as saudades.

Madalena dorme todos os dias comigo. Acho que é um dos poucos gatos que não acordam os outros durante a noite. Ela já tem seu ladinho na cama, mas, às vezes, me faz dormir torta. Ela é meu bom dia e boa noite, me acompanha na cozinha, no banho e aonde quer que eu vá pela casa. E adora se exibir para visitas.

Uma amiga me convida para sua casa e para bares. Conheço sua família, sou convidada ao aniversário de sua mãe, sua filha me diz “eu te amo” e seu pai diz que precisam me arrumar um emprego depois de ler um texto meu.

Raros amigos mandam mensagens “como você está?” e, com esses, sei que não preciso responder o automático “tudo bem”.

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terça-feira, 4 de outubro de 2016

Vida sendo vida

Desapego: uma palavra em voga hoje no mundo e na minha vida. Há três anos, sou obrigada a me desapegar de sonhos, bens materiais e sentimentos. Perda eterna de pessoas e perda de amigos. Perda de parcas conquistas realizadas. Perda de relacionamentos.

Felizmente, a morte nunca esteve muito próxima a mim, aliás, nunca esteve muito perto das pessoas mais próximas a mim. Posso dizer, até hoje, que foram poucas as pessoas que convivi e amei que agora são estrelas.

Houve amigos que pensei serem seriamente amigos, mas não estão mais na estrada que percorro. Hoje não vejo como perda, mas como pessoas que somaram por pouco tempo ou que, por conta de afinidades ou encontros e desencontros, nos afastamos ao longo de dias e anos.

Há também ingratidão daqueles que ajudamos sem pensar duas vezes. Fazemos além do que podemos ou no limite do que somos capazes e, ainda assim, parecemos que fomos tão poucos. O que um dia foi mágoa hoje me consola ser passado e aprendizado.

Alcançar determinados degraus e depois tombar até a base é que o parece deixar mais hematomas. A gente olha para trás e é como se nada houvesse significado, nada tivesse restado. A gente cai, aprende, levanta, cai de novo, e o trem não avança, regride.

Houve quem me disse que “a gente dá um passo para trás para dar mais dois logo a frente”. Naquele instante em que me desfazia de uma certa independência, isso pareceu me acalmar. Mas a tempestade passou a engrossar a cada dia, a cada minuto. Não há sinal de sol ou arco-íris.

É triste hoje andar pela casa que não é minha e ver partes do que foi a minha casa. Lembro de cada local a que fui, de cada escolha, de cada compra, de cada alegria de ver meu canto se tornando realidade. Precisei abdicar do sonho que um dia foi real. Mas não soube desapegar do que um dia foi parte da minha casa porque sei que fará parte da minha casa um dia novamente.

Costumo dizer que as “coisas” em minha vida vêm sempre atrasadas, retardatárias. Que venham, mas que permaneçam. Mas essa não parece ser a lei da vida ou, pelo menos, da minha vida. Ou, quiçá, elas sejam mais tardias ainda. E eu torço por esta hipótese.

Relacionamentos… Uma piada, mais trágica do que cômica. Como me disse um erê: “Você só escolhe merda”. Dei risada quando ouvi, claro. A autoesculhambação, como eu mesma digo, ou autossabotagem, como dizem, é uma das minhas marcas registradas. E ouvir isso de uma entidade me fez rir.

Entendi que só escolho “merda”, como ele me disse, como as chances que decido dar às pessoas que aparecem. Como saberei que são “merda” se não as conhecer? Por isso, quebrei mil vezes a cara. E o erê me quebrou de novo: “Use a sua intuição”.

Além da “merda” em si, vejo olhos me enxergarem como alienígena quando digo que, na idade em que estou, nunca casei, nunca morei junto e tampouco tenho filhos. Aliás, Madalena (minha gata-onça) é minha única filha, mas não saiu de mim nem amamentei. Me sinto um verdadeiro ET ou uma louca varrida quando vejo esses olhos arregalados. E, talvez, eu seja uma coisa ou outra.

E, enquanto o desapego cresce e se obriga em minha vida, há novos e raríssimos apegos. Novos e velhos amigos que aparecem e reaparecem. E aí parece que o desapego se vira pelo avesso. Ou é o avesso que, na verdade, é o certo. Ou não há certo ou avesso. É, simplesmente, a vida sendo vida.

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sábado, 24 de setembro de 2016

Jujuba

Tantas coisas são possíveis por meio das pessoas que amamamos. E hoje me surpreende um sentimento que surgiu por uma pequena, Ana Júlia, Juju, Jujuba, filha de Carla Rodrigues, Carlinha, Carlota, ex-colega de trabalho, grande amiga e parceria deste blog. Jujuba é depositária de sentimento comum e maior por mais pessoas envolvidas neste trabalho.

Demorou até que ela me olhasse, me desse um abraço. Depois de vários encontros, admirei-me quando, determinado dia, provavelmente porque não havia mais crianças para ela brincar no local, ela me puxou pelo vestido, sentei-me e ela logo sentou-se em meu colo. Naquele dia, virei sua cachorrinha Nina. “Cachorrinha Nina não bebe, não fuma, não fala”, dizia-me.

Sua imaginação e criatividade sempre me comoveram. Sua mãe, diariamente, me relatava as peripécias e os diálogos de Juju. Soube que a pequena viria ao mundo pelo seu pai, que foi colega de trabalho no Correio Braziliense. Anos depois, no Jornal de Brasília, conheço sua mãe. A intimidade tardou um pouco a chegar, mas, quando menos esperava, Carlinha virou amiga e confidente.

Hoje, a cada vez que vejo Jujuba, ela me traz experiências que jamais imaginaria. Eu, que nunca antes havia desejado ter filhos ou não tinha muita paciência com crianças, flagro-me com uma bagunça total de desejos e impossibilidades. E ela me comove com pedidos, carinho, brincadeiras, pulos e colos, além, é claro, do “tia Ana”.

Em uma comemoração, quando me dirigia à cozinha, passo pelo banheiro e a vejo sentada no vaso. Brinco com ela. Quando retorno, ela me pede ajuda. Já estava com o papelzinho na mão. Não hesitei em nenhum momento.

Em outra vez, participo da experiência da tentativa de arrancar seu dentinho da frente. Foram várias apelações, e ela se negou em todas. Lágrimas e gritos. Não havia mais o que fazer. Mas me comovia que ela pedisse meu colo nesse momento, que, em suas palavras, “era pior do que matar passarinho”. Outras de suas confissões que me surpreenderam era dizer, aos oito anos de idade: “O medo está me controlando, mamãe. Não vou conseguir superar”.

Depois de tanta luta, Carlinha coloca Juju para dormir. Me despido e, pouco depois, recebo a mensagem com a voz mais doce deste mundo: “Tia Ana, não precisa se preocupar. Eu já arranquei meu dentinho de cima, só que não foi a mamãe, também não foi a vovó. Foi a fada do dente”.

Impossível descrever todas as pequenas coisas que essa pequena me proporciona. Mas a mais emocionante foi ouvir, bem coladinha ao meu rosto: “Eu te amo”. Vieram um nó na garganta e uma ardência nos olhos. Minha reação, após essa declaração, foi replicá-la e abraçá-la forte.

Obrigada, Joãozinho, Carlinha e Jujuba, por todos esses momentos e tanto amor!

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terça-feira, 20 de setembro de 2016

Estar desempregada é...

Estar desempregada é não ter horário para nada, não ter despertador, não ter colegas de trabalho.

Estar desempregada é quase se tornar muda, a não ser que você tenha uma gata para conversar.

Estar desempregada é não precisar arrumar a cama. Ela torna-se seu habitat natural.

Estar desempregada é não lavar o cabelo todos os dias, mesmo que você tenha tido esse costume toda a vida.

Estar desempregada é abster-se da vaidade. Cada vez menos, você encontra pessoas. O máximo que você mantém é a higiene, própria, da casa e da gata.

Estar desempregada é como se jogassem todos os seus desejos pelo ralo e ainda ligassem o triturador. E, às vezes, você acredita que foi junto.

Estar desempregada é abdicar de grande parte dos seus maiores prazeres. Quase tudo parece perder o sentido.

Estar desempregada é assistir a vários filmes por dia. Se ainda estiver solteira, é comum chorar com os filmes românticos mais idiotas.

Estar desempregada é enviar seu currículo a dezenas de pessoas e, depois de um tempo, perder a esperança.

Estar desempregada é ser invisível, estar à margem, viver em uma espécie de prisão sem grades.

Estar desempregada é ser assaltada mais por lágrimas do que por risos.

Estar desempregada é nem conseguir mais ler o livro que você estava amando.
Estar desempregada é checar, todos os dias, o saldo bancário.

Estar desempregada é nem saber que os bancos estão em greve.

Estar desempregada é sentir saudade do que já passou e do que nem sequer existiu.

Estar desempregada é sofrer de preguiça mórbida.

Estar desempregada é esperar uma luz no fim do túnel.

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sábado, 10 de setembro de 2016

Tudo igual

Receitaram-me óculos após não enxergar o buraco de uma agulha por onde eu deveria colocar uma linha para remendar não sei o que. Achei que, com isso, enxergaria melhor. Mas as coisas continuam demasiadamente iguais entre si.

Olho para o mundo com e sem óculos e tudo permanece semelhante. Não percebo as grandes ou sutis diferenças entre árvores, carros, ruas, pessoas, cheiros, sabores, dias. É como se todos os instantes fossem repetidos ou tudo neles se repetisse.

Os olhares são sempre os mesmos. As conversas são sempre as mesmas. Nada difere de nada. Não há digitais. Só há dia e noite, e cada um é sempre igual após 24 horas. Só os livros parecem me contar histórias diferentes.

Apenas algumas pessoas também vejo diferentes. E a elas me agarro como salvação. Sobre todo o resto, parece não haver óculos que o diferencie. É tudo tão igual que parece o mesmo sonho a recomeçar, assim como eu mesma me torno repetitiva.

Até os erros são os mesmos. Os pensamentos dão e dão voltas. Me perco nos caminhos, pois me levam sempre ao mesmo lugar. Janelas e portas, abertas ou fechadas, não mudam. As equações dão sempre o mesmo resultado.

Os pássaros entoam a mesma cantoria todo os dias. Todos os dias, nos mesmos horários, são os mesmos carros a chegar. É o mesmo silêncio dia após dia. Sou igual dia após dia. O espelho está sempre no mesmo lugar a mostrar tudo igual.

Quando criança, tinha a impressão que vivia sempre um sonho e que, um dia, acordaria e viveria realmente. Quiçá, seja isso. Talvez eu esteja em um sono eterno e acordarei para ver árvores, carros, ruas, pessoas, cheiros, sabores, dias distintos.

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segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Tempo

Tempo que sobra
Tempo que não para
Tempo que assombra
Tempo de sonho

Tempo que cala
Tempo que grita
Tempo que cansa
Tempo que maltrata

Tempo ansioso
Tempo medroso
Tempo presente
Tempo distante

Tempo de solidão
Tempo que ensina
Tempo invisível
Tempo improdutivo

Tempo de perguntas
Tempo sem respostas
Tempo que passa
Tempo que inunda

Tempo que afasta
Tempo de tantos
Tempo de poucos
Tempo, meu tempo.

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sábado, 27 de agosto de 2016

"Viver é muito perigoso!

Chorona como sou, até então, tentava ser forte para não me entregar às lágrimas. Mas, em uma terça-feira à tarde, não suportei mais. O medo veio grande. O desespero veio forte. A desesperança tomou-me conta.

Como em um dos vários filmes a que assisto por dia, um personagem disse que a esperança é algo perigoso. E talvez seja. Me agarrei tanto a ela que, nesse dia, é como se ela tivesse se soltado de minhas mãos de uma grande altura e eu a visse cair, sem volta, em um abismo.

Entreguei-me às lágrimas em meio aos gritos que ouço do meu quarto da categoria da Polícia Civil, que quer se equiparar à Polícia Federal. É tão difícil acreditar que tais servidores públicos sejam capazes disso em meio à crise que assola um país inteiro.

No sábado anterior, havia levado meus pais para almoçar em um lugar que eles desconheciam. No período em que lá estivemos, um senhor de cabelos brancos passa com uma cesta vendendo bombons. “Estou desempregado e vendo essas trufas para sobreviver”, disse. Ele passou duas vezes.

Minha mãe se entristeceu com a cena, com a idade do senhor, de ter que andar sabe-se lá quantos quilômetros por dia para vender o suficiente para pagar suas contas e levar comida para casa. Assim como ele, vejo mais e mais pessoas vendendo chocolates e miudezas em mesas de bar pela cidade ou pedindo dinheiro.

Sem trabalho à vista, depois de vários currículos enviados, inclusive com pedidos a amigos e colegas, vivo de economias e do direito a apenas duas parcelas de seguro-desemprego, além de tentar essa oportunidade de escrever, com doações ou não. Confesso que, às vezes, faltam vontade e ânimo, mas é preciso acreditar e fazer algo.

Tenho família. Tenho amigos. Tenho saúde. Mas não venham me dizer que isso é suficiente. Infelizmente, precisamos de dinheiro, sim. Pode ser pouco, como ele normalmente sempre foi. Mas está difícil, a cada dia, sonhar mesmo com o pouco que seja.

Quando trabalhava, as segundas-feiras costumavam ser dias difíceis, tanto depois de um fim de semana divertido ou de um plantão cansativo. Mas, agora, elas são ainda mais difíceis. Enquanto muitos retornam às suas mesas de trabalho, meus dias continuam iguais. Tanto faz se é terça-feira ou sexta-feira, mas a segunda-feira, garanto, continua sendo o pior dos dias.

Como disse Guimarães Rosa, no brilhante livro Grande Sertão: Veredas, “Viver é muito perigoso”.

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quinta-feira, 18 de agosto de 2016

"Só sei que nada sei"

Penso e não sei que avaliação fazer dos relacionamentos hoje em dia. Talvez o mundo careça de homens interessantes. Talvez a minha idade complique as coisas. Talvez o meu vício em nicotina afaste possíveis histórias. Talvez o desemprego faça com que acreditem que eu queira ser sustentada.

Confesso meu antigo preconceito em relação aos aplicativos para conhecer pessoas. Mas amigas quebraram esse meu julgamento. Conheço casais apaixonados e felizes que se conheceram por meio dessas ferramentas virtuais. Mas não tenho tido essa sorte, seja na vida real ou na internética, porque, afinal, acabam no mesmo plano da realidade. E entro e saio com grande frequência diante da minha impaciência.

Completo quatro anos de solteirice. Sim, “antes só do que mal acompanhada”. Mas acredito no amor duradouro. Tive minhas histórias em todo esse período, mas nada que fosse além de três meses. Minha teoria é a de que um trimestre é um tempo razoável para conhecer o outro, saber das afinidades, de gostos, de objetivos e parcerias e para sentir “borboletas no estômago”.

E apenas uma pessoa, em quatro anos, fez meus olhos brilharem e se emocionarem. Mas, como sou de cotas (isso fica para outro texto), ele mora, literalmente, no outro lado do mundo. Além dele, mais ninguém. Houve gente bacana e nenhum pouco bacana. Tive cavalheiros e cavalos ao meu lado temporariamente.

Também não sei se faltam verdades ou se as verdades são tão efêmeras. Você se arrisca, convida, conhece, se diverte e, depois, recebe mensagens, elogios, mas por cerca de apenas dois dias. Não sei se servimos também apenas para alimentar seus egos. Sem alimentação, acabou a graça. Me parece também isso. Mas não sei de nada. “Só sei que nada sei”. Mas gosto de pensar e brincar com as hipóteses.

Tento abdicar do sonho de viver a dois, de viver uma parceria saudável e feliz. Mas uma dorzinha lá dentro de não sei onde insiste em aparecer de vez em quando. Eu acredito no amor, mas acho que estou sozinha nessa crença. Às vezes, penso que as pessoas estão tão machucadas, ou tão confortáveis em seu mundo, ou haja tanta demanda que não vale a pena se entregar ou mergulhar em uma história sem garantia. Porque não há garantia.

Uma vez eu ouvi de uma pessoa em uma possível retomada de relacionamento que ela tinha medo de sofrer novamente, como se precisasse de garantias. Não posso oferecer isso. Além de que outra característica minha é não fazer promessas. Há coisas que não dependem só de nós. E nós nos surpreendemos com nós mesmos, seja de que forma for.

E essas elucubrações me lembram uma frase que li em algum livro. Procurei (porque tenho mania de grifar a lápis todos os trechos bem escritos, que adoraria ter escrito ou com que me identifico) e não encontrei. Era um autor que citava Byron, em que este disse algo mais ou menos de que, depois dos 30, é praticamente impossível apaixonar-se ou amar.

Que Byron esteja completamente enganado!

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terça-feira, 16 de agosto de 2016

Sapatão ou rapariga?

Com os anos, passo a analisar várias questões da vida e as diversas situações por que passamos. E, muitas vezes, em conversas com amigas e confissões de colegas, descobrimos as dificuldades mais ínfimas com que as mulheres se confrontam. Não vou discorrer sobre as mais adversas. Falarei das pequenas, dos julgamentos, de rótulos.

Uma que eu particularmente vivi foi ao trabalhar por um curto período em uma cidade do Nordeste. Não no estado de que considero filha (meus pais são paraibanos), mas em um a que apenas havia ido anteriormente como turista. Em uma noite com colegas de trabalho, um me revela que a minha fama era a de que eu era sapatão.

Minha reação foi rir. Depois, passei a pensar. Como éramos muito brincalhões, um ou outro dava a entender, às vezes, claramente, que queria um beijo ou dormir comigo. De minha parte, nunca passou de brincadeira. Mas, como em todo o período em que lá estive, nunca passou disso, levei fama de sapatão. Foi o que pude concluir.

Em uma outra conversa com outro colega, ele confirmou o meu pensamento. E acrescentou que, caso eu tivesse aceitado a “cantada”, meu rótulo seria outro: rapariga. Engraçado não? E todos os que me fizeram o dito “convite” são ou eram homens casados. Mais uma vez, engraçado não? O máximo de adjetivos que eles ganham são garanhões, comedores ou bem-sucedidos no desastre de amar.

De volta, em minha cidade, em Brasília, em um bar supostamente moderno, eu e uma amiga conversávamos e nos divertíamos. Até que, em determinado momento, um grupo de homens se apresenta. Logo de início, recebo a pergunta: “Vocês são namoradas?”. Novamente, rio. Eles se justificam porque estávamos em um local em que se paquera e que, até aquele momento, não aceitamos a cantada de nenhum homem ou paqueramos nenhum.

Em outra noite, em outro bar, de outro bairro, mal sento à mesa com outra amiga, e um homem já se convida para sentar, pergunta meu nome e meu telefone. Apenas respondo que havia acabado de chegar e que queria somente conversar com minha amiga. Precisei ser enfática diante da insistência.

Diante desses pequenos acontecimentos, não sei direito o que pensar do sexo oposto. Me parece que os homens acham as mulheres solteiras mulheres desesperadas, à procura, a todo instante e em qualquer lugar, por alguém que lhes aplaque a carência que eles imaginam que passamos.

Não tenho que provar que sou hétero. Não estou disponível em uma prateleira com anúncio. Não sou um pedaço de carne no açougue que saciará a fome masculina, em vez da minha. Não sou santa, tampouco pudica, aliás, estou longe disso. Mas meu desejo e minha fome são muito maiores que qualquer aventura em uma noite qualquer com qualquer homem.

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quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Araras-azuis

Com tanto tempo disponível, passo a pensar sobre tantos os aspectos da vida. Um que me parece paralisar é a minha profissão. O jornalismo me parece em extinção. Somos tantos os desempregados, somos tantos os que buscam uma vaga que sinto como se fôssemos ararinhas-azuis. Há diversas profissões nessa situação, mas me permito falar da minha, até porque a própria mídia não fala, pelo menos não nesses termos, de si própria.

Olho para trás e tento analisar cada passo que dei. Já tive medo de tentar o desconhecido, de experimentar o que nunca imaginei. Mas fui lá e fiz. Saí do comodismo, de três anos de carteira assinada, e tentei entender de agronegócio. Quebrei a cabeça para falar sobre icloud em três páginas de revista. Assessorei magistrados e procuradores. Iniciei toda uma pesquisa sobre a história da Procuradoria-Geral do DF. Desempregada pela primeira vez, topei o desafio de ser produtora e repórter de vídeo. 

Depois, passei um ano lidando com o assunto de transporte. Me entusiasmei com a amplitude do tema, viajei duas vezes a trabalho até que me choquei com a "invasão"de policiais no prédio - coisa que a mídia mal noticiou. Desempregada pela segunda vez, pelo recursos humanos da instituição, volto para a redação e ocupo a função de subeditora. Depois de um ano, desempregada pela terceira vez.

Nesse meio tempo em que me encontro, topei outro desafio, que foi trabalhar em uma área em que nunca desejei em uma cidade totalmente nova para mim: campanha política em Luís Eduardo Magalhães (BA). Muito aprendizado, muita experiência, outra realidade. Um mês e meio depois, decido voltar para Brasília, por questões outras que não o trabalho em si. 

Parece que os únicos sãos e salvos neste país e neste momento do país são os servidores públicos. Isso me entristece. Como não conheço as particularidades de cada profissão, decido falar da minha. Somos tão cobrados, tão exigidos, com carga horária sempre além, tendo que lidar, muitas vezes, com gritos e gente louca, com salários baixos, atrasados, sem previsão de crescimento, seja do cargo ou do "vencimento"… Passei réveillons, carnavais e diversos feriados dentro de redações ou em salas de assessoria. Perdi shows, casamentos, festas e outros eventos devido ao dias e horários de trabalho, se não pelo saldo insuficiente. Teceria linhas e mais linhas sobre os contras da profissão.

Mas o que seria do país ou do mundo sem os jornalistas? O que será de nós e do jornalismo? Um jornalismo completamente online, instantâneo, sem reflexão ou revisão? Eu não sei. Me cobram um novo rumo. Mas que rumo tomar no atual momento deste país? Que rumo tomar se tudo está em crise? Ao desabafar com "iguais", falamos sobre o que sabemos fazer. A impressão é que sabemos apenas escrever, escrever bem, com domínio da língua portuguesa, gostar de ler, apreciar boa música e as artes. "Apenas"?? Além, é claro, de beber uns bons copos de cerveja e dar risadas, ainda que entremeadas de água nos olhos, da própria sorte. 

Parecemos tão parcos de dons ou talentos e, ao mesmo tempo, tão cheios de experiência e conhecimento. Uma contradição ininteligível. Um profissão tão vasta em suas vertentes e que parece se extinguir. Nas redações impressas, os jornais diminuem de tamanho e, assim, a quantidade de seus profissionais. Sites precisam cada vez menos de jornalistas para darem conta do recado. Nas assessorias de imprensa, a mesma coisa. Falam hoje de redes sociais, mas elas não são distintas, necessitam de poucos para publicações, análises e elaboração de relatórios. 

Em 13 anos de profissão, aos 35 anos de idade, o máximo que alcancei foi ser subeditora. Em todo esse tempo, vivo o desemprego pela terceira vez. Em todo esse tempo, tive salário digno por um ano e meio. Em todo esse período, foram raros intervalos de uma carga horária normal. Em todos esses anos, fui feliz e, em alguns momentos, infeliz. Graças à toda essa loucura deliciosa e, às vezes, indigesta, desenvolvi uma doença que tentarei controlar por toda a minha vida.

Não, não consigo acreditar que somos araras-azuis voando destrambelhadas para qualquer lado ou de asas quebradas sem podermos alçar voo. Eu mesma não sei se voo ou economizo energia. Tento me reinventar. Tento ensimesmar-me para me descobrir. Por enquanto, apenas grasno para diminuir a minha invisibilidade. Por enquanto, tento encontrar o melhor no pior, para pegar as palavras emprestadas de um trecho de Fogo Morto, de José Lins do Rego.

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terça-feira, 19 de abril de 2016

Nosso anjinho virou estrela

Lembro exatamente do dia que minha irmã chegou com você à nossa casa. Coisinha mais linda, sapeca e com rabinho comprido. Foi amor à primeira vista. Te abraçava, beijava e te agarrava. Mamãe logo me apelidou de "tia-amassa-gato" e dizia que você não gostaria de mim pelo meu jeito felícia. Nos amamos demais. No meu quarto antigo, dobrava a colcha e colocava em cima de um móvel. Você adotou o local como berço e cama. Não era de dormir comigo porque você não gostava quando nos mexíamos. Mas, antes de dormir, não podíamos mover os pés embaixo do edredon que logo você achava que o nosso dedão era um brinquedo. E, às vezes, pulava em nosso rosto e nos assustava, mas você nunca foi capaz de qualquer arranhão ou mordida. Eu brincava que Deus havia se enganado com a sua forma. Você não miava, você falava. Você não dormia como um bichano, mas como um menino. Você usava travesseiro, almofadas, o que quer que houvesse para encostar sua cabecinha.

Seu nome quase foi Fuxico. Em uma das férias da faculdade, decidi terminar uma colcha que minha mãe havia começado há mais de 30 anos. Você a via estendida enquanto eu emendava e corria para escorregar e bagunçar tudo. Seu nome foi Tom porque sabíamos que viria o próximo e tive vontade de lembrar um dos desenhos que mais víamos quando crianças: Tom e Jerry.

Mas, seis meses depois, minha irmã chegou não com o Jerry, mas com o Miu, nome dado pelo miado. Miu mia. Tom falava. Você tinha, inclusive, suas interrogações. Quando Miu chegou, você virou paizão, tiozão. Deixou de ser a criança da casa quando o caçula se juntou à família. Nunca nos cansamos das brincadeiras de vocês dois. Mesmo diariamente, sempre nos encantávamos com as cambalhotas, lutas e sonecas que vocês faziam e tiravam juntos.

Um dos melhores bom-dias era o seu. Depois que vocês cresceram e não nos deixavam dormir, começamos a fechar a porta do corredor. Mas era me levantar e abrir a porta que você vinha correndo falar comigo e se enrolar nas minhas pernas. Outro costume lindo que você tinha era quando decidia andar ao nosso lado, acompanhando nossos passos ou nossas pausas e com a cabecinha para cima, nos olhando com a maior doçura do mundo.

Te chamava por tantos nomes... Tom. Tomtom. Tomca. Tio Tomca. Meu nêgo. Minha pantera. Meu lindão. Meu xodó. Meu anjo. Meu amor. Falava baixinho ao seu ouvido que eu não era sua tia, mas sua mãe. Adorava beijar atrás da sua orelhinha. Sempre cheiroso, assim como no seu último dia. Como você não gostava de colo, podia estar frio ou calor, levava o edredon para o sofá. Bastava isso e você deitava em cima de mim. Nem me mexia para você não sair dali.

Quando saí de casa, me doía ouvir minha mãe contar que, ao abrir a porta do corredor, você corria para o meu quarto e se frustrava ao não me encontrar. Fez isso por dias até que se cansou. E, tempos depois, adotei Madalena. Mas meu amor por você nunca mudou ou diminuiu. Tempos depois, retornei à casa dos meus pais. Madalena não se entendeu com os meninos e vice-versa. Ficavam em ambientes separados. Mas você ficava atento quando alguém abria a porta. Mamãe dizia que você era apaixonado por Madá. Tentamos por algum tempo que vocês três fossem amigos, mas havia briga, miados, gritos. Três personalidades bastante distintas. E optamos por mantê-los em paz.

Há pouco tempo, minha irmã levou você e o Miu para a casa dela e do namorado. Fui ajudar a colocá-lo na caixinha e fui para o meu quarto já com as lágrimas no rosto. Já sentia a saudade de não te ver mais na casa que sempre habitou, na varanda onde adorava ficar na mesa, no encosto do sofá que era molinho, nas caminhas que vocês tinham. Antes disso, comecei a notar que você tossia. E a tosse passou a ser cada vez mais frequente. Alertei. E você foi ao médico e veio a notícia ruim: câncer no coração. Com isso, havia água na sua pleura, que a Buiu passou a levá-lo uma vez por semana para drenar. Ela decidiu tentar uma quimio, mas você era resistente a aceitar remédios e começou a ficar mal. Passou a não interagir ou comer. Você foi meu programa do último sábado. Por mais que minha irmã me contasse como você estava, foi difícil e dolorido te ver escondido, com a cabecinha baixa, virando o rosto quando mostrávamos comida, sua respiração forte, seu corpinho mais magro.

Na última segunda-feira, Buiu tentou mais uma drenagem com a esperança de que você melhorasse e reagisse. À noite, fui te ver. E doeu mais. Estava ainda pior. E conversamos sobre lhe dar paz. Na manhã seguinte, minha irmã não conseguiu trabalhar e foi lá para casa. Choramos sem parar. Lembramos de todos os cantinhos que você gostava, do que você aprontava, das doçuras que era capaz. No fim da manhã, fomos te ver e buscar. Você engasgou, quis vomitar, em vão, começou a respirar com a boca aberta e, então, tivemos certeza da nossa decisão. Te beijamos. Tiramos as últimas fotos.

À medida que nos aproximávamos da clínica, meu choro começou e não parou. Te colocaram em uma mesa com uma toalha embaixo. Você parecia mais calmo. Deram-nos tempo para nos despedir. Você volta com um cateter. A médica aguarda que a chamemos para começar a sua partida. Com o sedativo, você relaxa. Depois, foi sua hora de ir embora. Ver seu corpo molinho me doeu fundo. Seus olhos abertos ainda me davam a impressão de haver vida. Mas apenas impressão. Saímos da sala, você foi enrolado na toalha e não te vimos mais. Não te veremos mais. Nunca mais. A saudade foi imediata e será eterna, meu nêgo. Apenas soube dizer que: "nosso anjinho virou estrela". Agora você está em paz e sem dor, meu coração. Te amarei e te lembrarei sempre, meu filho, meu sobrinho, meu gato, meu menino.

Meu gato, meu menino!

Minha última foto com você, meu anjo: 19/04/2016

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Nada é suficiente

Nada é suficiente. Nunca, nada é suficiente. Faça o seu melhor e não será suficiente. Faça o pior e será, do mesmo jeito, insuficiente. Seja mediano e tampouco será suficiente. Nada, absolutamente, jamais, é ou será suficiente.

domingo, 6 de março de 2016

Cemitério de sonhos

Sonhos vêm. Sonhos se despedaçam. Sonhos impossíveis. Sonhos que se sonha só. Mais feridas. Mais mares nos olhos. Sorriso que some. Nova cicatriz em breve. Um corpo que mostra uma vida: feridas e cicatrizes. Tudo tão breve. Nada que perdura. Mundos opostos. Gelo que vira água em um estalo. O inimaginável que surge e se esvai. Força que mingua. Tantas interrogações. Mais uma luta contra si. Um cemitério de sonhos.

"Look, but don't touch. Touch, but don't taste. Taste, but don't swallow".

quinta-feira, 3 de março de 2016

Ando

Te encontrei
Você me viu
De repente
Aos poucos
Completamente

Você fala baixo
Eu rio alto
Você me fala de Deus
Te falo de Darín
Você é paz
Sou desassossego
Fomos verdade
Somos sonhos
Sangría no café
Coração sangra
Você me fala de nove anos atrás
Te falo de agora
Te quero demais
Distância demais
Aqui, deserto
Aí, oceano
Mergulhos no mar
Verto mares
Metade feliz
Metade doída
Metade que foi
Metade que fica

Andei depressa
Ando devagar
Andar é minha sina
Ando é meu sonho

Andei de mãos dadas
Ando de mãos soltas
Ando do outro lado do mundo
Ana do lado de cá do mundo
Ando perdida
Ando só
Ando...