quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Perdi-me

Não sei dizer o que dói tanto em mim. É tanto silêncio lá fora. É tanto barulho aqui dentro. Nada aconteceu. Nada acontece. E é isso que faz tudo se contrair e explodir. Não sei se são as sobras de mim no mundo ou se é a falta de mundo nas minhas sobras. Sinto-me corroída pelo tempo, enferrujando-me com o tempo. Segui caminhos que me levaram a nada, a zero, a um buraco tão fundo que meus pés não conseguem andar direito o chão que pisam. Além de cobrir-me cada vez mais, tento encolher-me para não ser vista. Às vezes, quero ser vista, mas não me enxergam. Não há olhos no mundo. Não há tato no mundo. É sempre o silêncio de volta. Parece-me que o mundo virou um grande umbigo de tantos umbigos mirados por seus próprios olhos. O mundo não quer desajustados, perdidos, desenganados, descaminhados. Eu que nunca me deixei parar, gostaria de parar por longos instantes para curar o que se fez de mim e em mim. É como se o mundo não estivesse mais em mim e eu não participasse mais do mundo. Estou à margem, tentando equilibrar-me numa estreita calçada só de ida. Caio diversas vezes. Hesito diversas vezes. Parece que, nessas quedas, perco cada vez mais o senso de direção e o equilíbrio. Penso onde exatamente me perdi. Fui tantas nesta vida e nenhuma foi bem durável. Nenhuma foi adorável aos olhos do mundo e aos meus próprios. Não sei o que se salva em mim. E continuo seguindo no acostamento em busca de uma placa que me oriente, onde eu não caia mais e o mundo volte a preencher-me e eu ser parte do mundo.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Até breve!

Uma realidade me é descida goela abaixo. Como um tijolo ou um bicho que me ocupa toda por dentro. Nada desce. Tudo quer sair. Como se meu próprio corpo rejeitasse isso que precisou entrar em mim. Sai pelos olhos e quer sair pela boca. É uma realidade que não fazia parte de mim, e agora esse bicho me come por dentro. Suas mordidas machucam. Deixo-o comer algumas partes. Outras, preciso esconder. Minhas mãos tremem. Minhas pernas tremem. Difícil ter esse bicho por dentro. Mas sei que preciso deixá-lo me morder e comer as sobras. São partes que me doem ainda mais quando ele não come. São partes que surgiram e precisam ir embora rapidamente antes que me adoeçam. Mas depois preciso matar esse bicho. Ao mesmo tempo que sei que ele me fará bem, não poderei continuar mantendo-o. Tenho receio que ele descubra algumas partes e coma-as também. Mas não sei ser sem elas. Preciso delas para continuar. Preciso ter algo por dentro. Preciso manter aquilo que ainda sou eu. Assim como esse bicho veio, ele vai embora. Ele já veio outras vezes e já foi embora outras vezes. Dessa vez, preciso manter a boca fechada para que os outros não o percebam me devorando. Dessa vez, preciso ficar com a boca fechada para que partes minhas não saiam pela boca e emporcalhem as ruas. Mas sei que sua partida é breve. Breve porque sua visita foi violenta. Ele me devora rapidamente e rapidamente estará saciado. A cada visita que me faz, ao passar dos anos, se torna mais rápida tamanha a violência com que destrói e cumpre seu papel. Não vejo a hora da sua partida e me dizer “até breve”.