quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Dia Mundial da Psoríase

Hoje é o Dia Mundial da Psoríase, uma das doenças com as quais preciso me acostumar e aceitar. Não é fácil. Não é só na pele que ela aparece. Não é só na pele que ela dói. Mudei meu vestuário. Há locais que não frequento. Os relacionamentos ficam mais difíceis. Brinco que são pouquíssimos aqueles que podem ver minhas pernas, que é onde ela mais se manifesta hoje.



Há dois anos, num emprego em que eu não tinha horário e precisava lidar com estresse em grande escala, as feridas surgiram nos cotovelos. Pequenas, não dei muita importância. Até que elas insistiram muito e fui a uma dermatologista: “psoríase”. Não foi a melhor notícia do mundo, mas fiquei tranquila porque era numa área pequena e não me abalava.



Hoje, dois anos depois, elas decidiram se espalhar para os membros inferiores. Brinco que sou uma onça pintada da cintura para baixo. Brinco quando sou forte. Choro quando sou fraca. O espelho, logo que acordo, me traz à realidade. Vestir-me ficou mais fácil porque as opções são poucas. Procuro calças confortáveis e vestidos e saias compridos.



Falam para eu ter calma. A psoríase tem muito a ver com o emocional. Minha natureza sempre foi meio estressada, agoniada, impaciente. E num momento em que mudo de apartamento, ocorrem mudanças a cada semana no trabalho, aproximam-se viagens no verão... É difícil ser calma com tudo isso e ainda fazer as pazes com o espelho. Uma coisa leva à outra.



Quando não me distraio e deixo a doença me abalar, vou fundo nos oceanos que deságuo. Há coisa muito pior neste mundo, é claro. Mas há momentos em que os nossos problemas têm uma dimensão mundial. Procurei uma especialista na área e hoje faço duas sessões de fototerapia por semana. Entro na cabine e sonho com a limpeza da minha pele. Saio da cama todos os dias imaginando que eu poderia ser como antes, mas a verdade grita logo cedo no espelho.

Depois de uma noite de travesseiros encharcados, decidi me expor nas redes sociais. Publiquei um texto neste blog que escrevi enquanto meu rosto se salgava. Publiquei nas redes sociais. Depois publiquei uma foto das minhas pernas manchadas. Surpreendi-me com o carinho de pessoas próximas e distantes e inimagináveis. Mas há quem não entenda eu ter me exposto, há quem me censure por mostrar a feiura, há quem se preocupe porque eu posso enfrentar preconceito.



Mas quem me conhece sabe que não consigo ficar calada diante de alguns assuntos. Senti que precisava esclarecer as pessoas sobre uma doença ainda desconhecida de muitos. Senti que eu não queria que mais alguém portador da doença se desaguasse como eu. Senti que eu precisava fazer algo. E, para isso, precisei me expor para quem eu conheço. Não me exponho na rua. Não saio com as pernas à mostra. A doença me abala demais para dar conta de olhares. Mas me “expor” para os amigos foi a forma que encontrei de apresentar e humanizar a doença.



Então, aqui está: prazer, eu sou a psoríase. E, desde que me expus, escolhi uma frase de Guimarães Rosa: “o que ela quer da gente é coragem”. Coragem a todos os portadores de psoríase!

Conheça a página e saiba mais sobre a doença.

Colaboração, fotos e edição: Ítalo Linhares e Márcio de Andrade

Matéria da Record

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Hoje não sou mais mulher

Sinto como se meu coração fosse explodir. Tenho apertado ele com as minhas mãos para mantê-lo sob controle no seu lugar. Mas, às vezes, minhas mãos se tornam fracas demais diante da vontade de ele crescer e tomar conta de mim por completo. Minhas mãos não o machucam. Ao apertá-lo, elas aliviam a dor que o inchaço me causa. Nada disso é visível, mas perceptível. Dá vontade de me transportar a uma ilha deserta para que ninguém veja minha dor. Uma dor que vem de dentro pra fora e de fora pra dentro. Tenho de me esconder do mundo e de mim mesma. Quero cobrir espelhos. Quero fechar os olhos do mundo e os meus. Sou uma pessoa melhor quando minhas mãos conseguem sufocá-lo. Quando não, sou capaz de maldizer e odiar o mundo. Não existem palavras que confortam. Não existem palavras que sejam ouvidas. Meu coração está surdo e obeso mórbido. Não sei se o exterior causa essa dor ou se essa dor intrínseca causou feridas em meu corpo. Feridas que se espalham como a doença que são. Tenho saudades e inveja do que já fui. Cada vez me cubro mais. Cada vez mais o mundo me repele e eu o rechaço. Me afogo em oceanos que eu mesma crio. Busco buracos e máscaras para me esconder. Mas não há esconderijo e fuga de mim mesma. Vejo remédios como paliativos para algo que se apoderou de mim. Invejo peles que se despem. Rejeito minha pele despida. Invejo formatos alheios. Rejeito a forma que se aumentou em mim. Desconheço-me. Reconheço-me. Metade que se me culpa, metade que se me alivia. Há uma vontade de ser só, ser inteira. Mas sou só pedaços, que ora se colam, ora se descolam. E o coração está sempre ali, como a querer explodir e jorrar até se esvair. É como se nele tivesse um peso que me impede de suportá-lo, que me impede de me deslocar, como se ele causasse e negasse a aparência deste corpo. É um coração em frangalhos. É um corpo em decadência. Atraio semelhantes, despedaçados e decadentes. Hoje entendo mais de dor, solidão e sonhos. Hoje sou uma pessoa melhor e pior. Hoje sou mãe, filha e irmã. Hoje não sou mais mulher.