segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Olhos mal educados

Meus olhos, por algumas vezes, foram alvo de definições. Numa vez, me disseram que eu tinha o olhar profundo, que poucos conseguiam ficar à vontade à minha frente como se eu pudesse enxergar inclusive os segredos mais subterrâneos. Na última, me disseram que meus olhos eram os responsáveis por atrair pessoas, determinadas pessoas, aquelas que, de alguma forma, sabiam traduzir ou enxergar o que neles possa haver de diferente. Sensibilidade destes e daqueles olhos. Em uma noite apenas, um par de olhos soube explicar quem eu era simplesmente pelo meu par de olhos. Como se meus olhos fossem transparentes ou falassem ou me denunciassem. Em uma noite apenas, me revelaram o porquê de meus olhos serem ímãs do que possa haver de mais diferente, supostamente estranho ou louco. E fiquei com medo dos meus olhos. Talvez devesse cegá-los. Olho para eles e não enxergo o que disse o dono de olhos jovens. Acredito porque preciso culpar-me ou culpar parte de mim. Então, parei de olhar o mundo, parei de perceber o desconhecido, parei de reparar no que me desconhece. Coloquei aquele tapa-olhos que colocam nos cavalos e direciono meu olhar apenas para o conhecido, o seguro. Cansei das esquisitices que meus olhos atraem. Ou talvez eu devesse educá-los. Mas não sei educar olhos. Descobri tarde que meus olhos são mal educados. E aqueles olhos jovens não souberam educar os meus. Aqueles olhos jovens souberam alertar para os perigos que meus olhos cansados podem trazer para perto. Aqueles olhos jovens me emocionaram com palavras e desenhos como se conhecessem por tantas outras noites estes olhos fadigados. Em uma noite apenas, olhos se encontraram, conversaram e falaram a mesma língua.

Para um artista de olhos jovens bem educados





terça-feira, 23 de setembro de 2014

Dilema de consciência

Sonho demasiadamente. É como se, ao me tocar, a realidade me ferisse. Um dilema de consciência me transporta para dentro. E, lá dentro, algo se abre. Um buraco reflete meu dilema de consciência. Um buraco que dói e traz lágrimas. É um mundo em desconstrução. É como se o mundo que eu habito desmoronasse e só eu visse e sentisse. É como se todos vissem esse mundo desabando, mas bem distante. Apenas eu o sentia internamente. É como se, mesmo sem fazer parte do buraco que se abriu, eu contribuísse por não fazer nada. E aquele buraco grita dentro de mim. Tento calá-lo. Mas ele berra. Apenas meus olhos respondem. Prédios caem. Palavras se desmancham. Valores evaporam. E preciso seguir com meu buraco gritando e meus princípios firmes, apesar do abalo que o buraco causou. Preciso porque o mundo não é a minha cidade invisível. E dói esses dois mundos serem tão distantes. Dói ver que um mundo possa ser tão díspar do outro. Seco meus olhos. Calo meu buraco. E me enclausuro em meu mundo.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Desculpantes

Cansei das minhas histórias. Preciso das suas. Verbalize. Silencie. Inunde à vontade. Conte-me suas aflições. Sou melhor para os outros. Descubro-me mais mãe que mulher. Adoto amigos, adoto pessoas. Dou colo. Faço comer, empresto a cama e lavo a roupa. Hospedo em casa e na minha vida. Desculpantes e parceiras de profundezas. Sinta-se em casa e fique por toda a vida. Aceite meus ouvidos. Palavras são apenas tentativas de conforto. Sei pouco da vida. A minha não é parâmetro para nada ou ninguém. A minha se repete e se esvazia. Há muito espaço para ouvir. Não peça desculpas ou agradeça. Preciso de histórias alheias para me encher. Preciso da angústia de outrem para substituir as minhas, que há muito insistem em ser as mesmas. Preciso de lágrimas distintas das minhas para me transportar. Preciso de um silêncio diferente do que me habita. Preciso de um grito de timbre diferente. Preciso me preencher com o que transborda dos outros. Eu que peço desculpas e agradeço.

Para uma colega que se tornou amiga, irmã e filha.