segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Crise dos pré-30

Alguns sinais básicos uma mulher (ou eu) vive ao chegar perto dos 30 anos. São várias coisas que passam pela cabeça ou pelo corpo. A gente acha que uma coisa tem preponderância sobre outra, mas, no fim, tudo somado é uma TPM constante e parece sem fim. Aquelas coisas de chorar, corpo inchado, impaciência (ainda maior) passam a ser mais frequentes, e agradeça o namorado, se tiver, por suportar tudo isso. Mas, talvez, ele também viva uma crise pré-balzaquiana e se entendam com suas respectivas tensões pré-trinta.

Minha crise é um misto-pegando-fogo de envelhecer e não-crescer. Envelhecer porque vejo o corpo mudando. O metabolismo definitivamente não é mais o mesmo. Antes uma dieta de uma semana de saladas à noite era capaz de afinar a silhueta razoavelmente. Agora nem que você morra de inanição e faça aulas de natação, boxe e corrida resolvem a eliminação de quilinhos extras. E é claro que prefiro viver a sobreviver. Rendo-me às maravilhas de dona Gracinha em suas novas descobertas e mudanças de rotina: finger food, batatas com alecrim, medalhões com cogumelos de paris, pão ciabata com cebolas caramelizadas e salmão defumado, e por aí vai.

Hoje, entrego-me sem culpa aos prazeres do paladar. Um paladar mais requintado, é claro. Se for para não ver o ponteiro da balança apontar mais à esquerda, que seja com um prato que encha os olhos e salive a ponto de não se conter. Minhas gordurinhas nunca foram consequência de sorvetes, McDonald’s, salames ou tortas. Felizmente, jamais morri de amores pela gordura visível. Imagine o que seria de mim, aos pré-trinta, se gostasse de tudo isso? Mas confesso uma mania de gorda: ao colocar algo no prato, não consigo deixar nada ao fim, a não ser que seja intragável, por falta de esmero ou excesso de sal. Fora isso, como até o último grãozinho.

E o não crescer não é uma Síndrome de Peter Pan. A vontade existe, mas as condições são insuficientes. É aquele sentimento de o nariz ainda não ser propriamente seu, apesar de ele ser seu. É a sensação de adolescente misturada com a de adulto. Agora, sinto-me aos 25 anos, mais tarde, aos 48, amanhã, aos 14. Sou velha demais por ainda não morar sozinha, sou prematura e alérgica ao pensar em filhos. Pareço uma fruta com duas partes independentes: uma já bem madura, tenra, adocicada; outra verde, sem gosto, com muito tempo pela frente. Sempre me fascinou a ideia de nascer velha e rejuvenescer com os anos, antes mesmo de surgir o filme O curioso caso de Bejamin Button ou de ler o livro homônimo de Francis Scott Fitzgerald.

Falar do corpo ou da aparência parece mais divertido que analisar os próprios neurônios. Mas tudo tem sua graça e seu pavor. As antíteses e os paradoxos convivem desarmoniosamente. “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”, já disse Caetano. Eu diria que cada um sabe a dor e a delícia de se aproximar dos 30 anos. Um lado delicioso é ver as prateleiras mais cheias de livros e discos. Um lado realista é encarar uma gaveta mais cheia de cremes, ácidos e filtro solar. Espinhas se revezam com manchas de anos de pílula anticoncepcional. Mas tudo tem salvação. Sonho com os esperançosos benefícios do mirena, como a ausência dos pré-historicismos mensais, recuperação de interesse e redução de tudo o que possa ser maléfico ao organismo. Definitivamente, uma promessa que será cumprida até os 30 anos.

Não é nada tão pavoroso ver os 30 anos logo ali na esquina. Quer dizer, é e não é. É por tudo que já falei, de uma forma eufemista, no mínimo. Não é porque todo mundo passa por isso e normalmente todos chegam vivos do outro lado. Sãos e salvos. Talvez menos salvos do que sãos. Brincadeiras à parte, não há como negar que estar próximo de mudar a dezena da idade balança, amedronta, às vezes, apavora. Parece q tudo vai mudar no 30º aniversário. Mas esforço-me em pensar que as mudanças serão para mais e para melhor. É isso. Até os 30. E aí quem sabe eu escreva a “crise dos trinta”...

sábado, 22 de maio de 2010

Santa mega sena

Incumbência desta quarta-feira após o trabalho: jogar na mega sena. Pela primeira vez na vida eu, de espontânea vontade, escolhi meus números, beijei a cartela e rezo, desde então, para ser a sorteada dos milhões. O que me levou até isso parece até uma longa história, mas a vida acontece tão rapidamente, ou não, que poderia ser resumida em apenas um dia. 24 horas seriam suficientes para contabilizar os degraus que subi e o patrimônio que construí. 24 horas? Um segundo.

Cheguei a pensar em desenhar-lhe um rosto e, assim, montar uma santinha para colocá-la num altar e lhe fazer reverências. Mas que santo ceticismo! Nunca fui capaz de desenhos coerentes com a imaginação. No máximo, aquelas pessoas feitas de pauzinhos e pés de bola. Mas que a vontade foi muita foi. Tem gente que acredita em santo milagreiro, por que eu não acreditaria? É... Nunca achei um santo a quem me devotaria, mas dedicaria todos os meus domingos à santa mega sena.

Pensei até em escrever umas linhas, montar uma oração, para agradecer e pedir todos os dias. Imaginei-me como aquelas crianças ajoelhadas ao pé da cama que se reservam uns instantes antes de dormir para lembrar os santos. No entanto, ainda não modifiquei o hábito. Continuo a dedicar estes momentos a mergulhar na leitura prometida de anos: O idiota. O idiota é o livro.

Passo a deitar e sonhar com as mega realizações que faria. Cheguei a imaginar onde seria minha casa, o que compraria, com o que a rechearia. Uma mansão no Lago Sul ou um mega apartamento na 316 Sul? Ah, um novo guarda roupa isso eu faria de imediato. De primeira, reformaria inteiramente meu quarto enorme, com um mega banheiro, um closet imenso, um armário de metros e metros e metros, com muitíssimas gavetas.

Pensei que ainda era um sonho barato. De um gol 0km (que pobreza de pensamento!), me imaginei logo dentro do jipe dos meus sonhos. Eu, bela e magra, na direção, a escolher meu rumo. Com um rayban? Nada. Rayban é para gol 1.0, 2006, “pelado”, como costumo apelidar meu pretinho. Coitado do meu “gol pelado”. Seria trocado no mínimo por um TR4, sem bancos de couro porque sou fumante, e amarelo (porque os únicos belos coches amarelos são jipe e ferrari... mas não, não quereria uma Ferrari).

Cheguei a me imaginar indo a uma agência de viagens e comprando um mega pacote de viagem para a Europa para meus pais e todos os regalos e a boa vida que lhes daria na terceira melhor idade. Minha irmã? Ah, ela já teria boa vida logo no recebimento dos milhões. Meus gatinhos? Teriam a melhor ração do mundo e cobertas. Amor, mimo, colo, cafuné, eles já os têm desde sempre.

Como é bom sonhar e como é terrível acordar. Desperto com meu celular que mais parece um modelo do século passado. Ralé que é já foi anunciada a sua troca como um presente. Não, deixe ele aí, disse, aquele dinheiro que pinga todo 5º dia do mês não merece ser gasto com um aparelho de ligações. Depois de sair da minha gostosa cama, infantil, mas gostosa, olho para meu armariozinho, pego uma roupinha e entro no meu carrinho. Hora de trabalhar, como todos os dias. “Ave mega sena, cheia de graça, a senhora é convosco, bendita sois vós entre os felizardos, e bendito é o fruto da nossa conta. Santa mega sena, mãe dos sonhadores, rogai por nós, assalariados, agora e na hora do nosso desvario. Amém.”

domingo, 9 de maio de 2010

Salada de artistas

Brasileiros, cubanos, argentinos, colombianos, chileno e venezuelano abrem projeto do CCBB

Ana Rita Gondim

Aos que já visitaram a ilha socialista, ir à abertura do projeto Afrolatinidades – Matriz africana da música latina do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), ocorrido na sexta e no sábado, é como revisitar o território de Fidel Castro. Com quatro encontros, com participação de artistas da América Latina, África e Europa, a banda Songoro Consongo conduz todos os shows da série. No primeiro, Tropicalidade caribenha: Cuba e centro América, com o grupo formado por brasileiros, argentinos, colombianos, chileno e venezuelano, subiram ao palco também os cubanos René Ferrer, radicado no Rio de Janeiro, e Pancho Amat.

O grupo abriu o projeto com a canção homônima, o que tornou possível descobrir a pronúncia do nome Songoro Cosongo. Os oito integrantes no palco já impressionam na primeira música, com a variedade de instrumentos e a voz do venezuelano Aléxis José Graterol, que mais parece um cubano devido à familiaridade com a salsa, assim como todo o conjunto. Depois, o bolero Jardín de besos antecede a presença de René Ferrer, que, assim que sobe ao palco, é como transportar o público às ruas de Havana, com seu visual e sua voz forte. Certa vez, em território castrista, uma amiga dissera que a beleza da voz de todos os nativos cubanos pode ter explicação no consumo de rum e charutos. Na apresentação, a teoria ganhou ainda mais sentido.

Além da voz, René anima a plateia com sua alegria e simpatia – presentes do início ao fim por todos os artistas. De sua autoria, ele e o grupo apresentam Como en cada mañana e Ochún, cantadas sempre sorrindo e acompanhadas de sua ginga caribenha. Songoro Cosongo chama a atenção pela versatilidade dos músicos, os quais quase todos tocam mais de um instrumento. O chileno Arturo Cussen lidera o show de uma hora e meia, com um português quase impecável – o sotaque é apenas perceptível em raras palavras –, como o próprio Pancho Amat ressalta mais à frente.

Os dreadlocks de René Ferrer dão lugar aos sapatos bicolores e ao chapéu habitual de Pancho Amat, considerado mundialmente o maior intérprete do tres cubano, uma derivação do violão com três pares de cordas duplas. Em estilo bastante diferente ao conterrâneo anterior, tanto em gênero, como no visual e na faixa etária, Pancho dá um show literalmente com seu instrumento. A figura do compositor e arranjador encanta pela habilidade dos dedos ágeis nas cordas duplas, pelo apreço que demonstra pelos músicos que o acompanham e pela paixão musical que transborda em suas pernas inquietas e tresloucadas, que parecem não suportar tamanha emoção. De Pancho, eles cantam Llegó el tresero, Tal vez a los 50 e En el Café.

O grupo “sui generis”, cunhado dessa forma por Pacho Amat por ser um conjunto de música cubana sem ter um cubano sequer em sua formação, anuncia o fim do show com Lágrimas negras, de Miguel Matamoros. Os cubanos, na plateia e no palco, entram em êxtase e fazem coro com a canção. Todos os espectadores se levantam e alguns se entusiasmam ainda mais. Ao fim, o público bate palmas querendo bis e Arturo Cussen já avisa que haviam se preparado para este momento e apresenta Maracujá, composição da banda de múltiplas nacionalidades. A letra casa com o espetáculo, uma salada de artistas latinoamericanos: “maracujá, abacaxi, melancia, limão, misturado com cachaça fica muito bom”. A impressão é que rum e cachaça dão um belo e frutífero casamento.



Publicado no site Diversão & Arte

segunda-feira, 29 de março de 2010

Os paradoxos e os enigmas de Manuel Carreiro

E-book do autor canadense é um convite a buscar a curiosidade infantil para então se divertir com sua obra

Ana Rita Gondim

"Este livro é dedicado para quem não tem voz", avisa o autor logo na dedicatória do livro. Paradoxalmente, também logo no início, o escritor antecipa o bom humor que virá em algumas das páginas seguintes com opiniões de David Foster Wallace, Friedrich Nietzsche, Johannes Gutenberg e Tomás Antônio Gonzaga, datadas de séculos passados e próximos anos. Os pequenos deuses da trapaça, de Manuel Carreiro, é um misto de universal e atual, de brincadeira e reflexão, de antigo e moderno, de catarse e ficção.

O livro, ou melhor, o e-book (livro eletrônico) do autor canadense, filho de pai português e mãe brasileira, vivido há muito tempo no Brasil, pode ser encomendado pelo site http://manuelcarreiro.com e o interessado pode pagar o valor que achar justo. Para os que preferem ler da forma tradicional, basta imprimir as 67 páginas. "Literatura é literatura impressa no papel, em arquivo virtual, rascunhada num guardanapo, inscrita num tronco de árvore. Foi-se o tempo em que ser publicado por uma editora de renome legitimava a boa qualidade (ou não) de um artista", explica Manuel Carreiro ao divulgar sua segunda obra (o primeiro é Eram os deuses escritores?, de 2004, uma brincadeira com Eram os deuses astronautas?, de Erick von Daniken) em site e por e-mail.

Resultado de um trabalho de seis anos - dois anos de rascunhos e quatro para afiar a linguagem -, o novo livro de Carreiro apresenta uma compilação de estórias - sim, estórias, que, apesar do desuso, ele mesmo assume e informa ao final: "o texto deste livro (des)obedece às normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. E também às regras do mercado editorial" - as mais variadas. Algumas são mais catárticas, outras se utilizam mais de espelhos, umas mais silenciosas, outras mais doloridas, algumas mais enigmáticas, outras mais paradoxais. O jogo com as palavras também é uma característica marcante na obra.

É comum se deparar com vestígios de Clarice Lispector e Nietzsche em suas páginas. Não à toa, além de escritor e leitor contumaz, Jason é bacharel em Filosofia (2002) e mestre em Letras (2006), ambos pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). E hoje ele é doutorando e pesquisador em Filosofia da Educação na Simon Fraser University, no Canadá. Ademais, ele dá aulas inglês numa escola em Vancouver, terminou recentemente a tradução, do português para o inglês, do romance Monte verità, do carioca Gustavo Bernardo, e há um ano trabalha numa tradução, do inglês para o português, do conto Good old neon, do escritor americano David Foster Wallace. Apesar disso, o autor afirma que não é preciso bagagem ou iniciação filosófica para entender as suas palavras:

"É um livro pra quem gosta mesmo de pensar e se encantar com a falta de sentido. Tem muita vida no meio daquela solidão e tragédia toda dos contos. Precisa ser naturalmente curioso. Uma criança seria capaz de ler e se divertir com meu livro melhor do que um adulto porque elas sabem brincar e são curiosas. Mas, desde crianças, aprendemos a calar as perguntas. O menino pergunta: porque o céu é azul, pai? E a gente manda ele calar a boca. No fim das contas, a ideia é essa. Perdemos a capacidade de nos indignar com o mundo, de nos espantar. Quem tem essa indignação, esse encanto, acaba até se divertindo [com o livro]".

Apesar de divertir, o livro exige atenção para não cair nas armadilhas do autor. O próprio título é um enigma. Quem são os pequenos deuses da trapaça? Leia e descubra, assim como as demais relações, números e jogos de palavras. De antemão, o escritor adverte que a obra tem pistas falsas. E conclui: "é um livro pra pirar mesmo, não pra vender".

Trecho de Alma nômade

"(...) Agora me vejo, subitamente, apanhado por um desejo profundo de correr e correr, porque minha mente e meu espírito anteviram a cidade abaixo de mim - lá há crianças famintas, há adultos abusando de crianças, há maridos enganando suas esposas e esposas enganando os seus maridos (estou parecendo um código de ética, hoje, mas perceba leitor, que este comentário ultrapassa qualquer moralismo que você queira imbricar em minha narração - eu apenas constato as máscaras que os homens usam, esses pequenos deuses da trapaça) há pessoas matando por pouco dinheiro, e há jogos de dissimulação nojentos e mentiras mentiras mentiras e há também coisas boas, há também pessoas que se ajudam, não sou um pessimista, há aqueles que se dedicam com ardor a ajudar os perdidos, há muito amor sincero, há pessoas pacientes e calmas e alegres e contadores de estórias e (eu acho que vou desistir, vou me fundir aos prédios cinza da cidade e desistir) - (...)"

Os pequenos deuses da trapaça
Manuel Carreiro
Preço sugerido (o interessado pode pagar quanto quiser): USD $ 9,90/ R$ 14,99
E-book em formato PDF - venda exclusiva pela Internet
Pelo endereço http://manuelcarreiro.com
Todos os cartões de crédito e débito são aceitos. Assim que o valor for creditado na conta, o livro será enviado por e-mail

Publicado no jornal Correio Braziliense e no site Diversão & Arte