sábado, 22 de agosto de 2009

Me perdi

Me perdi quando minhas mãos encontraram as suas
Me perdi com seus olhares demorados
Me perdi antes disso
Me perdi quando te vi
Me perdi nas conversas diárias
Me perdi naquele palpitar adolescente desconhecido
Me perdi no primeiro beijo
E nos encontros cada vez mais frequentes
Nas noites cada vez mais longas
Com amanheceres sempre constantes
Me perdi entre copos e cigarros
Me perdi deitados com filmes
Me perdi em estacionamentos
Me perdi em sua casa
Me perco em continuar
Me perco em interromper
Me perco
Não me deixo perder
Que eu me perca, mas não te perca…

sábado, 15 de agosto de 2009

Geralda e avenca

Assim como Pedro Juan, senti-me completamente só num dia de céu azul e sem trabalho. E, apesar do brilho do sol nas nuvens e nas folhas das árvores, em mim nada brilhava. Era como se tudo estivesse ofuscado como aquela poeira que vai se acumulando nas vidraças. Então, tratei de começar o dia cuidando de mim, mas não tardou até que algo quisesse explodir por dentro. Dei-me o tempo para a explosão. Deitei por uns instantes.

Penso o que poderia fazer até o resto do dia com esta sensação que há tempos não ressurgia. Lembro do que fiz vários meses atrás e decido fazer o mesmo. Coloco um vestido, uma caneta para prender o cabelo e vou para a rua. Compro uma garrafa, não de rum, para brindar o sol que se põe e para me embriagar e afrouxar o nó que me sufoca. Coloco para gelar, ponho Buena Vista Social Club para tocar bem alto e vou para debaixo do chuveiro.

Evito me olhar no espelho, tanto por receio de não gostar do que reflito quando por medo de não me reconhecer. O banho ajuda a levar embora o que se havia incrustado sobre a pele e, aos poucos, vou amolecendo a pedra que se havia formado. Lembro do que me deixou assim e penso.

Constantemente, me engano ou deixo-me enganar com os vagões que passam pela minha estação. Às vezes, pego carona em um e volto em seguida. Às vezes, faço uma longa viagem. Mas sempre retorno. E o retorno começou a ser um pensamento recorrente. A ideia de pular daquele vagão de repente parecia-me o mais sensato. Já que fosse para regressar mais à frente que fosse logo.

Lembro do que o cubano me disse no dia anterior: “gosto de caminhar devagar, mas não consigo. Sempre ando rápido. E é um absurdo. Se estou sem rumo, para que tanta pressa? Bom, na certa por isso mesmo: estou tão apavorado que não paro de correr. Tenho medo de parar por um instante e descobrir que não sei em que porra de lugar estou”.

Corro o tempo inteiro e penso o tempo inteiro. Penso à medida que corro, corro à medida que penso. Porque nada fica, atropelo, me atropelo. O céu vai perdendo a luz e eu vou me amansando. A voz e o violão de Drexler servem como um colo numa cadeira de balanço, o colo que preciso quando deito agarrando o travesseiro. Outras cores vão tomando conta do céu e eu vou também mudando de cor. Mais uma noite, mais um dia, e eu vou voltando a mim...

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Trilogia suja de Ana

Sentei na sarjeta. Senti um odor de merda, diria Gutiérrez. O cheiro do ralo vinha de perto, do meu subterrâneo. Há tempos escondia a sujeira, mas ela veio à tona. Tantas pequenas coisas se somaram que a tampa não suportou a pressão e foi merda pra todo lado. Exijo e sou exigida. Descobri em aulas de Direito Penal que não se é criminoso se agente e paciente recaem sobre a mesma pessoa. Mas talvez eu seja a criminosa de mim mesma. Disfarcei as minhas diferenças e fui pega em flagrante e acusada de mim mesma por mim mesma.

E o subsolo é profundo, mergulho e não encontro o ralo que pudesse mandar tanta sujeira embora. Não sei destampá-lo. A sujeira vai comigo aonde eu for. Às vezes, escondida, às vezes, descoberta. E ninguém gosta de cheiro de merda, nem da própria. Mas deixo ele me incomodar como um cachorro que precisa sentir o cheiro pra nunca mais cagar no lugar errado. Vou tampar mais uma vez e, mais uma vez, esquecer que sou também a minha sujeira. E Pedro Juan vai me contando da sua própria, da sua ilha, de mi Cuba querida...